quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

CONCERTO PARA SAUDADES

CONCERTO PARA SAUDADES

 

© DE João Batista do Lago

 

Que harmonia de sons é esta

Que ressoa da minha carne

Se da carne minha

Foram tirados

Pedaços da alma?

A fúnebre alegria de mim

Ser-me da eterna possibilidade

Um movimento do real

Na irrealidade da presença

Onde não-ser é todo o Ser...

Na inércia do vazio profano

Os acordes duma sinfonia assíntota

Não encontram a esfera do meu corpo

Que deseja a Ópera do Encontro

Ou apenas uma valsa para dançar...

Fico-me então com as notas musicálicas

Reverberantes de sonoridades fractais

Na imensa solidão do salão universal

Onde as teclas dum piano cerebral

Produzem sinfonias de saudades...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

PARA TODAS E TODOS QUE FAZEM PARTE DESTA MINHA COMUNICADE MULTIPLYANA...

domingo, 14 de dezembro de 2008

PARA MINHA MÃE QUE SE ENCONTRA NA UTI

REVELAÇÃO

© DE João Batista do Lago

Estou ao seu lado

Tentando uma palavra-mãe

Na mudez do corpo-ovário

Que me fizera

Descendente de Deus

Ou do macaco.

Digo palavras-coisa

Feito máquinas des-humanas

No silêncio do espaço

Entre outras máquinas

Que presumem

Sustentar uma vida.

A máquina não fala

O corpo se cala

E eu me esforço na fala

Brigando com tubos

Que entubam a alma calada

Da mulher que me pariu.

E o homem-deus...

Ou o homem-macaco

Repete baixinho

Que ela precisa vencer

Essa agonia monológica

De sua noite escura.

Sinto então que as trevas

Não se fazem presentes nela

Mas em mim que sou o gerado

Prestes a bezerro desgarrado

Das tetas que me sustentam

Com o único leito da vida.

Seria possível morrer-me

Para que dela fosse possível vida?

Não! Infelizmente não há saída...

Apenas a impotência dum ser

Que espera vencer o medo de perdê-la

Para sempre e toda a eternidade

Nada mais justifica minha presença

Se nela há toda ausência dela.

Estou perdido no labirinto das teias

Tentando deste instante a resposta

Para entender o sangue das veias

Que se esvai e se lava no rim artificial

E retorna ao seu leito normal

Como possível alma matricial.

Ó, como é possível morrer assim?

Esses tais mistérios da vida

Que nada revelam em cada fim

Continuam o desfilar do nada

Na versão suprema de cada ser

Que retornará para a reciclagem.

Ainda assim preferiria a mim

Fosse primeiro que ela...

Minha passagem é tão inútil

Que não me permite tomar este trem

– nele não há poltrona para João-ninguém –

De eternos viajantes da Virtude e do Bem.

Mas, se fores mesmo agora

Terás de mim única promessa:

Tua presença será eterna

E a quantos possíveis for aqui na terra

Dir-se-á de toda tua grandeza

Numa só palavra de revelação: MÃE.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O Espírito [© DE João Batista do Lago]

O espírito

 

(para Marconi Caldas, Mário Lincoln e Hélcio Silva)

 

© DE João Batista do Lago

 

Ele já tinha sentido muitas coisas!

Tantas e quantas que jamais imaginamos.

Nada o fizera fugir das suas convicções:

elas tinham o cheiro da sua pele,

a tessitura das suas carnes,

os olhares da sua visão,

o verbo das suas orações...

e ouvia como um confessor

o lamento ensurdecedor das ruas da cidade.

 

Viajor de todas as artérias,

de todas as veias,

sentia o fremir dos sangues ebuliços

das almas cansadas e amargas,

que perambulavam entre dias e noites

nos cemitérios profundos de cada ser,

imerso e solitário, ambulante da cidade

condenada ao amante dos ódios,

e guardada no silêncio dum inferno profundo.

 

Observatório das vidas e das cidades

ia esgrimindo como spadaccino valente

- inda que sujeito ao golpe fatal -,

golpes certeiros nos corações

das víboras humanas, que rastejam qual serpente,

para furtar o ovo da desesperada esperança

que se lança como alimento aos porões dos injustos,

imortais duma pajelança múndica de bestiais humanos,

com seus caninos à mostra: defensa dos ignorantes.

 

Indomável e crente da sua labuta

seguia navegando o rio caudaloso do humano.

Invencível ao odor do escárnio e do amor-flagelo

guiava o barco-flagelado entre os açoites

dos chicotes de dias e noites de infernos ancestrais,

que fremiam nos umbrais dos mortais,

carniceiros de-si, em suas peles de pérolas e cristais,

máscaras de corpos pútridos sob os vestais

da branca paz, incapaz do beijo na face que não seja falso.

 

Nenhum ventre se lho era estranho.

Os conhecia a todos: desde os estéreis aos mais férteis.

E mesmo triste ao prenúncio dos proscritos,

os vigiavam, desde os presépios encarcerados

em-si e já desterrados desde os ancestros da vida.

Pretendera por toda eternidade a salvação

dessa conspurcação gerida,

do futuro pré-verbo que receberia da terra,

sob as luzes da escuridão, toda guarida.

 

Ainda que sob o pranto de lágrimas de fogo

desfilando sua dor por entre ruas, becos e sarjetas;

ainda que se sabendo mutilado pela incompreensão

pensava atingir as profundezas dos corações,

e saia, a cada novo dia, do lodaçal do humano cada vez mais

consciente de sua celestial condenação:

- "minha espada há-de ferir de morte a corrupção,

nenhum mortal merece tão miserável condenação”.

Ele já tinha sentido todas as coisas!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Condenados...

CONDENADOS...

(para todos os trabalhadores desempregados)

 

© DE João Batista do Lago

 

Saio de casa nervoso!

Como um operário que vai ao primeiro emprego.

De minha casa até a parada de ônibus vou plantando na lavoura cerebral

Pensamentos sobre um salário imaginário:

“Agora terei dinheiro para meu próprio cigarro e

poderei comprar minha dose de pinga diária...

Agora as pessoas vão me olhar como um trabalhador e

Não como alguém que vive sob o manto sagrado da ‘mamãe’...

Serei respeitado como um cidadão de fato;

Não como um vagabundo que vive às custas da ‘mulé’...

Agora voltarei a estudar e

Vencerei na empresa e

Chegarei a uma diretoria...

Agora poderei ter uma namorada e

Sair com ela aos domingos e

Passear nos parques, e assistir a um filme num cinema do bairro

E almoçar num bom restaurante:

Desses que ficam na parte alta da cidade e

Mesmo que seja só pra impressionar minha amada,

Assim farei para que ela não pense noutro homem...

Agora...”

 

- Volto pra casa nervoso!

Como um operário desgraçado e sem sorte

Na minha cabeça o encanto de ficar estirado no asfalto

Depois de ter meu corpo destroçado pelos pneus

Da empresa que não me quis trabalhador,

Que me humilhou compulsoriamente a dias de esmolé,

Que me condenou à vergonha da não-cidadania...

 

- Volto pra casa nervoso!

Como um operário vencido e com medo de enfrentar a família:

De encarar a “mulé” e “fios”.

De saber que eles me tem por vencido,

Que sou um zero à esquerda,

Que já devia estar morto,

Que não merecia ser mais um fardo...

 

- Volto pra casa, enfim, amargurado!

Com gosto de fel na boca; boca que não tem direito à comida

Servida de suor da “mulé” e dos “fios”

Que me castigam com olhares a cada colherada engolida,

Que me açoitam com seus pensamentos escondidos,

Mas que reverberam no dorso da minh’alma

Estalando o chicote pia: “Vai trabalhar vagabundo”.

 

- No dia seguinte lá se me vou de novo

plantando na lavoura do meu cérebro pensamentos

dum homem capaz de ter um emprego...

E no final do dia retorno acabrunhado.

Derrotado pelo mercado que não me tem mais como força de trabalho:

- “Obrigado, moço, infelizmente já preenchemos a vaga...”

- Então volto pra casa e... No dia seguinte... Talvez!...

Romance sonámbulo

Romance sonámbulo 

Verde que te quiero verde. 
Verde viento. Verdes ramas. 
El barco sobre la mar y el caballo en la montaña. 
Con la sombra en la cintura 
ella sueña en su baranda, 
verde carne, pelo verde, 
con ojos de fría plata. 
Verde que te quiero verde. 
Bajo la luna gitana, las cosas le están mirando 
y ella no puede mirarlas. 

Verde que te quiero verde. 
Grandes estrellas de escarcha, 
vienen con el pez de sombra 
que abre el camino del alba. 
La higuera frota su viento 
con la lija de sus ramas, 
y el monte, gato garduño, 
eriza sus pitas agrias. 
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde...? 
Ella sigue en su baranda, 
verde carne, pelo verde, 
soñando en la mar amarga. 

Compadre, quiero cambiar 
mi caballo por su casa, 
mi montura por su espejo, 
mi cuchillo por su manta. 
Compadre, vengo sangrando, 
desde los montes de Cabra. 
Si yo pudiera, mocito, 
ese trato se cerraba. 
Pero yo ya no soy yo, 
ni mi casa es ya mi casa. 
Compadre, quiero morir 
decentemente en mi cama. 
De acero, si puede ser, 
con las sábanas de holanda. 
¿No ves la herida que tengo 
desde el pecho a la garganta? 
Trescientas rosas morenas 
lleva tu pechera blanca. 
Tu sangre rezuma y huele 
alrededor de tu faja. 
Pero yo ya no soy yo, 
ni mi casa es ya mi casa. 
Dejadme subir al menos 
hasta las altas barandas, 
dejadme subir, dejadme, 
hasta las verdes barandas. 
Barandales de la luna 
por donde retumba el agua. 

Ya suben los dos compadres 
hacia las altas barandas. 
Dejando un rastro de sangre. 
Dejando un rastro de lágrimas. 
Temblaban en los tejados 
farolillos de hojalata. 
Mil panderos de cristal, 
herían la madrugada. 

Verde que te quiero verde, 
verde viento, verdes ramas. 
Los dos compadres subieron. 
El largo viento, dejaba 
en la boca un raro gusto 
de hiel, de menta y de albahaca. 
¡Compadre! ¿Dónde está, dime? 
¿Dónde está mi niña amarga? 
¡Cuántas veces te esperó! 
¡Cuántas veces te esperara, 
cara fresca, negro pelo, 
en esta verde baranda! 

Sobre el rostro del aljibe 
se mecía la gitana. 
Verde carne, pelo verde, 
con ojos de fría plata. 
Un carámbano de luna 
la sostiene sobre el agua. 
La noche su puso íntima 
como una pequeña plaza. 
Guardias civiles borrachos, 
en la puerta golpeaban. 
Verde que te quiero verde. 
Verde viento. Verdes ramas. 
El barco sobre la mar. 
Y el caballo en la montaña. 

Federico Garcia Lorca 
(1898-1936) 

Mais sobre Federico Garcia Lorca em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Federico_Garc%C3%ADa_Lorca

Desencontrários

Desencontrários

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

Nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé
certezas o vento leva
só dúvidas ficam de pé.

Paulo Leminsky
(1944-1989)

Mais sobre Paulo Leminski em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Leminski

Poema em Linha Reta

Poema em Linha Reta 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. 
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, 
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, 
Indesculpavelmente sujo. 
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, 
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, 
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, 
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, 
Que tenho sofrido enxovalhos e calado, 
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; 
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, 
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, 
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, 
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado 
Para fora da possibilidade do soco; 
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, 
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. 

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo 
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, 
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... 

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; 
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! 
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. 
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? 
Ó principes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! 
Onde é que há gente no mundo? 

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? 
Poderão as mulheres não os terem amado, 
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! 
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, 
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? 
Eu, que venho sido vil, literalmente vil, 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. 

Álvaro de Camposum dos heterônimos de 

Fernando Pessoa 
(1888-1935) 

Mais sobre Fernando Pessoa em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

Cântico Negro

Cântico Negro 

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces 
Estendendo-me os braços, e seguros 
De que seria bom que eu os ouvisse 
Quando me dizem: "vem por aqui!" 
Eu olho-os com olhos lassos, 
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) 
E cruzo os braços, 
E nunca vou por ali... 

A minha glória é esta: 
Criar desumanidades! 
Não acompanhar ninguém. 
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade 
Com que rasguei o ventre à minha mãe 

Não, não vou por aí! Só vou por onde 
Me levam meus próprios passos... 
Se ao que busco saber nenhum de vós responde 
Por que me repetis: "vem por aqui!"? 
Prefiro escorregar nos becos lamacentos, 
Redemoinhar aos ventos, 
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, 
A ir por aí... 

Se vim ao mundo, foi 
Só para desflorar florestas virgens, 
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! 
O mais que faço não vale nada. 

Como, pois, sereis vós 
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem 
Para eu derrubar os meus obstáculos?... 
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, 
E vós amais o que é fácil! 
Eu amo o Longe e a Miragem, 
Amo os abismos, as torrentes, os desertos... 

Ide! 
Tendes estradas, 
Tendes jardins, tendes canteiros, 
Tendes pátria, tendes tetos, 
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... 
Eu tenho a minha Loucura ! 
Levanto-a, como um facho, a arder nanoite escura, 
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... 

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! 
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; 
Mas eu, que nunca principio nem acabo, 
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. 

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, 
Ninguém me peça definições! 
Ninguém me diga: "vem por aqui"! 
A minha vida é um vendaval que se soltou, 
É uma onda que se alevantou, 
É um átomo a mais que se animou... 
Não sei por onde vou, 
Não sei para onde vou 
Sei que não vou por aí! 

José Régio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_R%C3%A9gio

A Bela Adormecida

A Bela Adormecida 

Estou alegre e o motivo 
beira secretamente à humilhação, 
porque aos 50 anos 
não posso mais fazer curso de dança, 
escolher profissão, 
aprender a nadar como se deve. 
No entanto, não sei se é por causa das águas, 
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas, 
ou se é por causa dele que volta 
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma, 
se você vai ao pasto, 
se você olha o céu, 
aquelas frutinhas travosas, 
aquela estrelinha nova, 
sabe que nada mudou. 
O pai está vivo e tosse, 
a mãe pragueja sem raiva na cozinha. 
Assim que escurecer vou namorar. 
Que mundo ordenado e bom! 
Namorar quem? 
Minha alma nasceu desposada 
com um marido invisível. 
Quando ele fala roreja 
quando ele vem eu sei, 
porque as hastes se inclinam. 
Eu fico tão atenta que adormeço 
a cada ano mais. 
Sob juramento lhes digo: 
tenho 18 anos. Incompletos. 


Adélia Prado 

Mais sobre Adélia Prado em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado

Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos 

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas 
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las 
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar... 
Fechá-las, de repente, 
Os dedos como pétalas carnívoras ! 
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo, 
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento 
Como tecem as teias as aranhas. 
A que mundo 
Pertenço ? 
No mundo há pedras, baobás, panteras, 
Águas cantarolantes, o vento ventando 
E no alto as nuvens improvisando sem cessar. 
Mas nada, disso tudo, diz: "existo". 
Porque apenas existem... 
Enquanto isto, 
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses 
E, cheios de esperança e medo, 
Oficiamos rituais, inventamos 
Palavras mágicas, 
Fazemos 
Poemas, pobres poemas 
Que o vento 
Mistura, confunde e dispersa no ar... 
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar 
Foi este o fim da Criação ! 
Mas, então, 
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ? 
Quem faz - em mim - esta interrogação ? 

Mario Quintana 
(1906-1994) 

Mais sobre Mario Quintana em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Quintana

sábado, 22 de novembro de 2008

TEOGONIA [© DE João Batista do Lago]

TEOGONIA

 

© DE João Batista do Lago

 

Procuro deuses que me

Acompanhem nas orgias...

Procuro deuses que me

Acompanhem nas danças...

Procuro deuses que se

Embriaguem e se ufanem...

Procuro deuses que me

Espelhem o poder dos domínios...

 

.................................

 

Não existem esses deuses!

Não resistem aos argumentos

São apenas nomes de não-nomes

Significantes vazios de céus sacrossantos

(Buracos negros de todos os infernos)

Nada mais são que homens de um olho só

Não mais são que homens de duas cabeças.

 

Procuro os deuses que

Comigo não querem dançar...

[Pesquisa] - LAURA SANTOS: A pérola negra do Paraná

LAURA SANTOS: A pérola negra do Paraná

 

 

LAURA SANTOS foi uma peta paranaense. Nasceu em Curitiba em 30 de novembro de 1921. Não se sabe ao certo a data da sua morte.

 

Sobre LAURA SANTOS diz o poeta Tonicato Miranda: “sem complexos, inteligente, elemento positivo e querida nos ambientes onde convivia. Assídua presença nas sessões da Academia José de Alencar, quando e onde lia seus poemas e ouvia a leitura de poesias de outros poetas.

“Jamais queixara-se de discriminação ou de sua situação econômica difícil. Também jamais recorreu a outrem para dizer de suas dificuldades, que se presumia fossem muitas, dado que jamais conseguira publicar sua obra em vida. Segundo Helena Koloky, estrela maior da poesia paranaense, que conviveu com LAURA SANTOS, ‘em sua obra pode-se observar a inexistência de qualquer atitude complexada quanto à sua cor, porque sempre foi recebida em pé de igualdade com outros companheiros de arte e profissão’”.

Segundo consta no livro “Um Século de Poesia”, elaborado pelo Centro Paranaense Feminino de Cultura, LAURA SANTOS fora de “talento precoce desde a adolescência” quando “começou a compor”. Informa “Um Século de Poesia” que, LAURA SANTOS, compôs seu primeiro soneto – Aspiração – aos 13 anos de idade. “Lia muito em criança e o entusiasmo que lhe inspiravam os Sonetos de Olavo Bilac, revelou-lhe a sua vocação de poetisa”.

Depois de um brilhante curso secundário – diz a edição do Centro Paranaense Feminino de Cultura -, ingressou no curso técnico de química, que seguiu durante algum tempo.

Fora “preparadora de alunos, funcionária pública, especializada em enfermagem de guerra e saúde pública, jornalista e colaboradora assídua dos periódicos e revistas literárias, LAURA SANTOS, em meio às suas atividades múltiplas, não abandonou nunca a poesia” – informa o livro.

“Em 1937 venceu um concurso promovido pela Base Aérea, com um trabalho em prosa: História da Evolução da Aviação”. Fora “sócia fundadora da Academia José de Alencar” onde ocupara “a cadeira sob o patrocínio de Júlia da Costa”.

Seus três livros, ainda inéditos, aparecerão pela primeira vez no livro “Um Século de Poesia” e em separata [grifo nosso].

 

BIBLIOGRAFIA:

 

Sangue Tropical – poesia – 1953 – premiado pela Academia José de Alencar;

Poemas da Noite – poesia – 1953;

Desejo – poesia – 1953.

 

* * * * *

 

PRIMEIRO POEMA

 

Quando, envolta em penumbra,

A meditar me ponho,

Na doce exaltação deste exaltado sonho,

Na esplêndida mudez desta noite sem lume,

Principio a sentir em tudo o teu perfume.

Levemente ao redor do meu leito flutuas;

Sinto em meus seios nus as tuas faces nuas,

E o teu vulto sutil, subjetivamente,

Em insano prazer,

Em volúpia fremente,

Como serpe voraz, se enrola no meu ser.

 

E quando eu volto, de repente,

À fria realidade,

Compreendo que é a saudade

Que me fez de sentir,

Que me fez te gozar;

E, nesta noite fria,

Eu encontro somente

A triste solidão de minha alma vazia.

 

 

SEGUNDO POEMA

 

Dentro da noite agreste e sem luar

Ardente

E singular,

Quando um silêncio enorme envolve a natureza

E os vagalumes tremeluzem doidamente,

É que me sinto presa

Pelo polvo sensual do meu desejo...

Sinto o sabor de um beijo,

Que nos meus lábios vibra

E se estorce fremente,

A revolver

Fibra por fibra

Meu nevrótico ser.

 

Dentro da noite agreste e sem luar

De um torpor

Singular,

É que minha alma errática, procura

O teu amor

- falena seduzida

pela chama potente da Ilusão –

sem compreender,

no entanto,

não haver

retribuição de vida

ao seu fervente e desvairado encanto...

É uma sombra perdida

Dentro da noite escura

E no teu coração.

 

 

TERCEIRO POEMA

 

Na limpidez da noite pelo espaço

Há reflexos de aço,

Luminosos...

Dir-se-ia

Que a natureza envolta em véus luxuosos,

Em roupagem de seda,

Macia, se queda,

Toda em ânsia incontida,

Em uma longa espectativa indefinida...

 

A lua,

Inteiramente nua,

De mais alvor que os alcantis polares,

Vem, num desgarre soberano,

Pelos ares,

Linda como Frinéa emergindo do oceano.

 

E na minha alma

Incalma,

Incandescida,

A estorcer-se em desejos

De lúbrico furor,

Vibra o último som da música proibida...

E em meus lábios flameja o delírio dos beijos

Para imortalizar meu cântico de amor !

 

 

QUARTO POEMA

 

Noite agreste e sem lua,

Sem beleza,

Onda vaga de tristeza,

Opressamente no ar flutua.

De brando...

Pelas alturas pálidas estrelas.

Como lívidas velas,

Espalham sobre a terra o seu clarão sombrio

E se espalham no rio,

Que escorrega, se enleia e espuma, enraivecido,

Cumprindo o seu destino miserando

De ser incompreendido.

 

Então, neste momento

Tendo por teto o firmamento,

Ante o quadro que vejo

E a desvairar conduz

Em cismas vãs,

Merencória

E cheia de cansaço,

Vem-me o estranho desejo

De tornar-me incorpórea

E fundir-me nas lãs,

Finíssimas, de luz,

Que pairam difundidas pelo espaço...

 

 

QUINTO POEMA

 

Na noite erma e profunda

Soam vozes estranhas,

Poemas de amor que nascem das entranhas

Da terra.

E em meus olhos, que são portas escancaradas

Para a vida,

Fulge o desejo intenso,

Singular,

De pecar...

 

Agora,

Após ecoarem de vagar

As doze badaladas

Na velha torre,

Já não se escutam mais vozes estranhas...

Paira em tudo um silêncio incompreensível,

Esquisito,

Como se a alma da noite

Se houvesse diluído no infinito.

 

Só na minha alma ainda há a vida e a vibração,

Sem esperança,

De íntimo ardor,

Toda a ofegar em sonho

E em desejo a fremir;

A vibração e a vida de um amor,

Que, à semelhança

Do tinhorão tristonho,

Jamais há de florir.

 

 

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(In: Poemas da Noite, 1953 – Do livro “Um Século de Poesia”, 1959, pp. 397-8 – Imprensa Oficial do Estado, Curitiba, Paraná, Brasil.)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

UM PRESENTE PARA MINHA AMIGA YARA...

...que enfatizou recentemente num comentário a minha condição de pesquisador. De fato, se pudesse, seria o meu trabalho predileto, mas a minha condição financeira e econômica não mo permitem. Entretanto, quando posso, estou sempre a pesquisar alguma "Coisa",sobretudo quando se refere à Literatura, e mais ainda, quando diz respeito à Poesia. A pesquisa me ensinou algo de muita importância: não ter preconceitos com os gêneros literários. Quando se os tem fica difícil alcançar o campo epistemológico. E como tenho a "arrogância" de pretender absorver todo o Conhecimento, ficou claro, para o meu caso, que jamais deveria deixar que quaisquer preconceitos contra gêneros, estilos ou formas literárias fossem "obstáculos" para as minhas pesquisas.
Veja o que descobri, minha cara Yara:

* * * * *

IDADES

Quando o homem simples, bom
Viu na terra um tesouro,
Em as searas e rebanhos,
Viu passar a idade de ouro.

Passado tempo, a ambição,
Em sua mente retrata,
Planos de força e domínio,
- Foi essa a idade de prata.

Surgiu então a discórdia,
Desunindo a humanidade,
Invento de armas, a conquista
Tornou-se de bronze - a idade.

Ódios funestos, a vingança
Da guerra, o mundo sinistro erro,
Sem liberdade e sem paz
Passou a idade de ferro.

Seguiram-se outras idades
Ao mundo em evolução,
Trazendo a do Cristianismo
A luz da civilização

* * * * *

MONSTRUOSIDADE

As noções mais perfeitas e mais justas
Do humano raciocínio, sobre a terra,
Conjugando opiniões sábias, robustas,
Consideram - monstruosidade - a guerra.

Afronta à civilização e às augustas
Afirmações que a religião encerra
Odioso conflito de ambições injustas
Que o direito implanta e a paz desterra

Adverso ao princípio humanitário
Das instituições democráticas fraternais,
Do progresso eliminando efeito solidário

A guerra - monstro horrível e tenaz
Alimentando o instinto sanguinário
O trabalho dos séculos abate e desfaz

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O poema e o soneto são de autoria de MARIA CÂNDIDA DE JESUS CAMARGO. Esta autora nasceu na cidade de Ponta Grossa, Estado do Paraná, no dia 06 de agosto de 1868, onde foi educada; nasceu no apogeu do período literário que conhecemos como Romantismo, contudo, desenvolveu o gênero parnasiano,sobretudo por intermédio dos sonetos. E, mesmo sendo contemporânea do modernismo e de boa parte do pós-modernismo brasileiro, ele preferira ficar fiel à estrutura parnasiana.
Professora por vocação, exerceu o magistério em Jaguariaíva, Ponta Grossa, Prudentópolis, Cerrado e Morro das Pedras, município de Imbituva, até 1919, ano em que se aposentou, passando a residir em Jaguariaíva.
Colaborou na imprensa do Estado do Paraná, sob diversos pseudônimos: "Stella Maria", "Miriam", "Stella de Jesus", "Aimar", entre outros, e teve seus versos publicados em revistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Nada revela melhor a poeta, que esta sua autobiografia em forma de soneto:

MINHA VIDA

Não ambiciono o farfalhar das sedas,
nem o brilho das pedras preciosas;
nem passeio por vastas alamedas
ou luz de asfalto em noites calorosas.

Nem do capricho as armadilhas tredas
envolvem-se nas redes ardilosas...
amo o sossego dessas noites ledas
íntimas festas, suaves, jubilosas.

Não invejo a riqueza requestada,
a vida quero simples, recatada,
e que o mundo ignore que eu existo

O que mais eu adoro e o que me encanta
é a poesia singela, pura e santa
de uma frase evangélica de Cristo

MARIA CÂNDIDA DE JESUS SANTOS morreu, aos 86 anos de idade, no dia 11 de agosto de 19849.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A CEIA [© DE João Batista do Lago]

A CEIA

 

© DE João Batista do Lago

 

Vindes. Ó criaturas do meu tempo! Vindes.

Vindes e sentai-vos comigo à mesa.

Chegada é a hora de saborear os mortos (e)

Beber o sangue defuntal dos nossos corpos.

Não temeis os sabores do que é vossos

Nenhuma dor será mais doce em vossas bocas

Nenhuma gota de sangue se esgotará...

 

Senteis ao meu lado – lado direito do pai!

E sem medos recebei o pedaço da carne

Matéria que vos ungireis entre anjos e demônios

Hóstia que vos transformareis em sagrados

Não temereis, pois, o beijo do escárnio

Saboreareis no altar das oliveiras

Da oliva mais pura o óleo da vida

 

Porém, ficai atentos, ó convivas deste prato

Comereis de todas as carnes e bebereis de todos os sangues

Contudo, nem mesmo isso vos garantireis a salvação

E quando estiverdes na soleira das tumbas

E quando sentirdes a dor de barriga das sombras

Há-de virdes o teu corpo enterrado

Alimentando todos os vermes da terra

 

Só então percebereis os sabores temperados

Que guardardes nos balaústres de todas as guerras

Para assim cozerdes os corações dos humanos

Só então sabereis da solidariedade defuntada

Da solidão macabra de todas vossas orações:

Tiranias que efetivaríeis entoando cânticos de louvores

Rasgando entre dentes todas as carnes das almas