sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O CARNAVAL COMO CRIADOR E CRIATURA DE MITOS PESSOAIS E COLETIVOS

O CARNAVAL COMO CRIADOR E CRIATURA DE MITOS PESSOAIS E COLETIVOS

© DE João Batista do Lago

Oficialmente começa hoje[1], com o desfile das escolas de samba de São Paulo, o carnaval brasileiro, que, teoricamente, acabaria na segunda-feira, com o desfile do segundo dia das escolas de samba do Rio de Janeiro, ou oficialmente, na terça-feira de carnaval. Contudo, oficiosamente, o carnaval tem início uma semana antes e finda uma semana depois, em várias cidades brasileiras[2].

Em geral – seja no período carnavalesco, ou não –, nunca paramos para pensar sobre o “como?” e o “por quê?” essa manifestação folclórica se dá no Brasil com tanta e quanta intensidade. O carnaval não acontece só aqui. Mas, em nenhum outro lugar do mundo é tão festejado quanto no Brasil.

Muitas são as teorias e teses sobre a origem do carnaval. Evidentemente todas têm seu “cadinho” de verdade. De fato, tudo que os historiadores – sejam da corrente antropológica ou da corrente sociológica – descreveram e relataram, até aqui, são fatos históricos que não se podem duvidar, pois, nesse campo, paradoxalmente, as pesquisas são intensas e críveis.

Mas, aos meus olhos, ainda há uma linha de pesquisa, nesse campo, que mereceria ser mais pesquisada, estudada e analisada cientifico-fenomenologicamente, afora as pesquisas e estudos que são realizados pelos carnavalescos, que merecem o mais pleno respeito de todos nós, pois, aos trancos e barrancos, são pessoas que contam a “história do mundo” a partir de suas visões mitográficas. Como podem ver refiro-me ao campo mitológico; ao fenômeno do Mito, que se há introjetado no carnaval como Corpo, Alma e Espírito, isto é, que é imanente ao Homem (homem/mulher).

Se partirmos da idéia que o Homem é um “Sujeito” mitográfico, ou seja, que é refém da sua exposição ou descrição das fábulas ou mitos, aí então, compreender-se-á, por definitivo, o valor cultural do Carnaval. E quando infiro sobre o “valor cultural” quero dizer que “é” parte da natureza do Homem. E quando assumo essa inferição como verdade quero fazer crer que não estão certos os que veem no carnaval apenas e tão somente o malogro que muitas vezes se perjura contra ele (o carnaval).

Em “O Mundo como Vontade e Representação”, Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), descortina que “o mundo é a minha representação: eis uma verdade que vale para cada ser vivente e cognoscitivo, mesmo se somente o homem é capaz de acolhê-la na sua consciência reflexa e abstrata (...) Torna-se claro e certo para ele que não conhece nem o Sol nem a terra, mas possui um olho que vê o Sol, a mão que sente a terra; que o mundo que o circunda não existe senão como representação – vale dizer – sempre e somente em relação a um outro, àquele que o representa, que é ele mesmo”.

S., evidentemente, não conhecera o carnaval do Brasil, contudo dá-me a nítida impressão (eis aqui a representação empírica da minha mente pessoal) que sua linguagem fora produzida para dialogar com a linguagem do carnavalesco brasileiro. Toda consciência que sabemos do mundo, mesmo como consciência epistemológica, é que tudo não passa de fenômeno. Assim sendo, tudo é aparência, ilusão ou fantasia. Ao final, não é exatamente isso que assistimos no carnaval? Pois sim! O carnaval, assim, é a representação da nossa mente coletivo-pessoal, ou seja, pelos olhos dos carnavalescos representamos – e nos representamos, paradoxalmente! – em cada aparência, em cada ilusão, em cada fantasia, que se nos permite desenhar no mapa da nossa mente pessoal, e coletiva, uma realidade que não é real.

O carnaval é, no mesmo instante em que o vivenciamos – seja presencialmente; seja pelos meios de comunicação –, espaço e tempo de nossas configurações de extensionalidade, ou seja, é o espaço onde nos permitimos sair da concha para nos extrapolar, isto é, para nos multiplicar “n” vezes em nós mesmos – seja no plano pessoal; seja no plano social. E isto tem a ver com o nosso campo mitográfico, na medida em que somos o criador e a criatura dos nossos mitos mais profundos e individualizados, pessoal e coletivamente.

Gaston Bachelard (1884 – 1962) nos ensina que “(...) embora pareça paradoxal, muitas vezes é essa imensidão interior que dá seu verdadeiro significado a certas expressões referentes ao mundo que vive (...)”. Exemplificando ele toma a imensidão da Floresta para nos dizer que “(...) essa ‘imensidão’ nasce de um corpo de impressões que não derivam realmente de ensinamentos (...); não é preciso permanecer muito tempo nos bosques para conhecer a impressão sempre um pouco ansiosa de que ‘mergulhamos’ num mundo sem limites (...)”.

Porventura não é exatamente o que ocorre com o carnaval brasileiro? Pois sim! Mergulhamos profundamente em nossas florestas pessoal-coletivas, revisitando nossas aparências, nossos sonhos e nossas fantasias. E é exatamente nesse espaço, nessa floresta de-si, num tempo marcado pelo real, que vamos à busca de nossas realidades imaginadas, como criadores e criaturas de nossos mitos. E, paradoxalmente, renascemos como a Fênix (mito) para o enfrentamento do real, feito do concreto real, que se nos apresentará no momento seguinte em cada infraestrutura da nossa geografia de vida.

Bom carnaval a todos.



[1] 20 de fevereiro de 2009

[2] Cidades como São Luis, Salvador, Natal, Olinda..., por exemplo, dão início ao período momesco uma semana antes e terminam uma semana depois. Em muitos casos – seja antes ou depois – o período carnavalesco é mais longo.