sexta-feira, 23 de maio de 2008
O "Materialismo Dialético" implícito na poética de João Batista do Lago
O ‘Materialismo Dialético’
implícito na poética de
João Batista do Lago
“(...)
Ao falar mais especificamente do caráter literário da sua poesia JOÃO BATISTA DO LAGO revela que se considera um poeta “surracionalista” (palavra cunhada pelo filósofo francês Gaston Bachelard, para conceituar a poesia inferida ou abstraída de um campo filosófico), isto porque, diz ele: “como nos ensina Bachelard, é necessário estar presente, presente à imagem no minuto da imagem: se há uma filosofia da poesia ela deve nascer e renascer por acasião de um verso dominante, na adesão total de uma imagem isolada, muito precisamente no próprio êxtase da novidade da imagem”. E enfantiza o autor maranhense: “É assim a minha poética: gênese da imagem e do instinto do instante, ou seja, a minha poesia é o resultado da hora presente em toda a sua experiência, experimentação e experienciação do objeto imaginado no instante em que é, por natureza, imaginado”.
A imagem poética é um súbito realce do psiquismo, realce mal estudado em causalidades psicológicas subalternas”; tal qual no surrealismo utilizo as palavras como objeto para alcançar o objetivo de uma ‘experienciação’ para uma nova realidade experimental, sacando-a do campo da simples epistemologia e introduzindo-a no campo da ontologia pura, na qual é operante uma meta-estética da fenomenotécnica; minha proposta é ultrapassar a simples qüididade da palavra e do texto no que se refere à essencialidade ou a substancialidade - seja geométrica, estética ou gramatical. Ora, isso sugere a desverbalização da palavra em si, de si e para si, o que significa a desconstrução do discurso da palavra ou do texto homófono, para constituí-lo e fixá-lo como ‘sujeito’ do discurso substancial, real e concreto”.
(...)”
ALIENATÓRIO
Lá vai um homem
Para o seu trabalho
Para o seu trabalho
Lá vai um homem...
Todo dia é sempre tudo igual
A “Coisa” toma sua dose letal...
Lá vem um homem
Para a sua casa
Para a sua casa
Lá vem um homem...
Todo dia é sempre tudo igual
A “Coisa” prepara seu ato final...
Quando vai para o trabalho
A “Coisa” não desespera...
Espera!
Quando vai para sua casa
A “Coisa” espera...
Desespera!
Toma uma cachaça no boteco
Tira-gosto com lingüiça...
Espreguiça-se no balcão do nada
Troca um lero-lero com a rapaziada...
E aí vai pra casa ruminando a liça
Assoviando um bolero...
Cantarola:
“Eu não sou cachorro, não
para viver...”
Todo dia é sempre tudo igual!
ANOMIA
Por João Batista do Lago
Perambula pela tonta cidade
O exército dos deserdados
Há muito condenado
Perdido e desgraçado da sorte
Anômico mendiga uma naca de felicidade
Esses soldados da infeliz cidade
Não conseguem essa guerra vencer
E assim desesperam dia-a-dia no viver
Vêem dia-a-dia a esperança morrer (mas)
Sem trabalho si morrem em cada alvorecer
E a cidade... Ó, infeliz cidade!
Anônima de toda felicidade
Enfileira sua miséria encantada
E transforma a vida dos deserdados
Em campo de concentração de miseráveis
Ah, povo dos trabalhadores!
Povo deserdado.
Povo condenado.
Povo vexado.
Povo marcado.
Não esperem que o céu resolva suas dores
Essa divinal esperança só aumenta seus horrores
Isso não é destino de Deus: é do homem a miserável economia!
Que encerra todas as gentes no inferno da anomia
BRASÍLIA
Por João Batista do Lago
No paço da República
O passo só descompassa
- a “res” nunca é pública!
No passo da República
- a “res” nunca é pública
O paço só descompassa!
CANÇÃO DO REGRESSO
Por João Batista do Lago
Minha terra tem um rio
Onde se pode navegar
As águas que nele correm
Não mais existem por cá
Minha terra tem um rio
Sob solares e luares
Minha terra tem Quilombos
Onde não há n’outros lugares
Sob os céus de Itapecuru
Há muitas histórias pra contar
A mais bela dentre todas
O povo precisa resgatar
Minha terra tem Orixás
Tem o “Tutor das Liberdades”
Negro Cosme o seu nome
Há de vingar sua dignidade
Não permitam os Encantados
Que eu morra sem antes pra lá voltar
Quero encontrar com todo meu povo
Com todos eles quero brincar e dançar
Minha terra tem Carnaúbas
Nelas também canta o Sabiá
Têm Bem-te-vi e Ioruba
Todos filhos de Oxalá
Não permita Iemanjá qu’eu morra
Sem que eu volte para lá
Minha terra tem um rio:
Rio Itapecuru – dá nome ao lugar
Não permita Deus qu’eu morra
Sem em suas Águas mergulhar
CANTO VIÉS
© De João Batista do Lago
Que adianta o lirismo,
Que adianta a estética,
Que adianta o belo
Residente na poética?
Sim!
Que adianta tudo isso
Se a vida não é assim?
Foges pela tangente do real
Escapas pelos esgotos da beleza
Cegas-te para não enxergar a dureza
Cruel gerada na alma animal
Do homem que da vida é só vileza!
Oh, meu caro João, não me tome por mal;
Bem sei da beleza que na vida há. Bem sei!
E um dia hei-de a cantar nalgum verso toda essa beleza,
Mas agora é prudente falar da maldade que há
Instalada – em qualquer lugar – na beleza
Perdida no barro da criação.
- Não tenho dúvida, João, sou filho da indignação.
Que adianta cantar a esperança, se matam em mim a criança?
Que adianta cantar a paz, se me constroem soldado das guerras?
Que adianta cantar a vida, se dela não me há qualquer guarida?
Não. Não tenho por que sorrir…
Nem mesmo lágrimas me restaram para chorar.
Todo sorriso; toda lágrima
Restaram consumados na insensatez doa próprio Ser.
Quero sim, à vida cantar!
Dizer dela toda beleza no plural e no singular:
A rosa, são rosas
A flor, são flores
O amor, são amores
Na dor, não há-de haver dores
Na fome, há-de haver todo alimento
No Ser, toda solidariedade
Da ação, nenhuma maldade
Quero, pois, assim,
Toda vida cantarolar
CARTA PARA OUTRO-EU
© by João Batista do Lago
Olá, meu caro.
Há quanto tempo não nos falamos!
Gostaria de ter notícias tuas...
Como andas? O que tens feito da vida?
Sabes, ainda ontem andei pensando em nós dois.
Quando éramos crianças (lembras?)
brincávamos no alpendre lá de casa,
corríamos por entre quartos, paredes e corredores...
Ah, o Rex sempre nos atormentando,
atravessando nossos caminhos
mordendo nossos tornozelos...
- Parem, meninos, parem com essa correria.
Gritava mamãe sempre que passávamos por ela,
escrava que era daquela máquina de costurar:
tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic...
tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic...
Assim ela ia cosendo nossas vidas, nossas histórias... e nossas estórias.
Dia após dia de intermináveis costurares!
Mas nós continuávamos a brincar, a correr, a pular:
E ela: - Parem, meninos, parem com essa correria – insistia em nos alertar.
E a máquina: tchic, tchic... tchic,tchic... tchic,tchic... tchic, tchic... tchic,tchic...
tchic, tchic... tchic,tchic... tchic,tchic... tchic, tchic... tchic,tchic...
Ah, meu caro, tenho pavor às saudades, mas
percebo que hoje, ao alcançar esta minha idade,
elas se apresentam tão salientes que são difícil não escutá-las.
Elas estão presentes em tudo e em todos os lugares!
Ó, amigo, essas saudades são de amargar, me
incomodam e se instalam em qualquer lugar
ficam o tempo todo a me vasculhar...
Saudades são como carrapatos de almas,
verdadeiros parasitas inconfessos
sanguessugas de velhas e novas lembranças, (que)
roubam a consciência da presente esperança.
Sabes! Hoje tenho nítida sensação de me haver
internado numa masmorra. Sinto-me preso.
Estou isolado num infinito labirinto.
Não sei quando entrei... e nem por onde.
Não encontro portas de saída. Estou só.
Vago noites e dias entre as paredes frias da
minha masmorra sem portas. Ouço o
lamento do vazio num eterno calafrio de
vozes que me vêm do além mais próximo de mim:
ecos de dores... de horrores. São
quermesses do nada exaltando o meu fim.
Vês, meu caro, o quanto sinto tua falta?
Preciso-te. Necessito alentar minha dor, pois
somente a palavra do poeta – palavra de sofredor! -
não resolve a carência maior de minha paixão em flor.
Sim! Preciso-te, caro amigo, para
novamente corrermos entre quartos, paredes e corredores
conversarmos com o vento e a infância, sem
precisar ficar espantado com a adulta ignorância.
Sim! Preciso-te. Urgentemente preciso-te.
Preciso-te para viver minha eternidade de criança.
Preciso-te para sair desta masmorra. Deste labirinto.
Abraço-te, meu caro.
Eu.
CIRCULAR A MIS HERMANOS
by João Batista do Lago
Hermanos del mundo
La expansión engañosa
La felicidad ilusoria
Ofrecida a nosotros
Hace mucho tiempo
Queda nuestra morada
Desandando nuestras vidas
Asesinando nuestras esperanzas
Hermanos del mundo
La muerte da Gaia
Es el fallecimiento de nosotros...
Con la muerte de Gaia
Fallecemos con ella
Quedados ante la fiesta desgraciada
De hombres carrascos
Productos del capitalismo cruel
Hermanos del mundo
Llanamente morimos...
Que hacer delante de los carrascos
Asesinos indomables del pueblo...
Que hacer hermanos del mundo
Esperar por Dios… Oh, no,
Dios no Es responsable
Por la miserabilidad e ganancia
Hermanos del mundo
La invitación es forzosa
Clama a detenerse la muerte da Gaia
Clama a evitarse la muerte de los hijos – nosotros
Clama a vencerse la ganancia
De los brujos capitalistas
Señores de la miserabilidad
Asesinos de la humanidad
CONTRA-CANALHAS!
© by João Batista do Lago
Quanto tempo ainda restará
Para conviver com os canalhas?
Vive-se um tempo de batalha: a
Virtude é pura moeda rara!
Perdeu-se a vergonha da cara;
Falta coragem de usar a navalha.
Ó, República da vagabundalha,
República de miserável sorte,
Rasgaram-te as vestes da Ética (e)
Curvaram-te ante essa estética
Sangram-te, ó mãe, os canalhas!
Arrancar-te o Direito do peito é
Tudo que deseja a vagabundalha:
Nação inerte; prostrada ao leito.
Sangram-te, ó mãe, os canalhas!
Mas haverá dia que todo malfeito
Restará findo… restará morto…
A nação cativa se levantará do jugo
Então aí – o povo –, plebe ignara,
Tomará as rédeas do desatino e
Fará da nação cativa seu destino:
República de Virtude, Ética e Direito.
DAVOS
Por João Batista do Lago
...e assim calo o meu silêncio,
já tão calado
e tão sofrido,
diante do discurso alegre,
miseravelmente alegre,
dos senhores
donos do mundo,
agora amedrontados
com a hipótese do fim.
...e assim escorrego para dentro de mim,
o mais profundo possível,
para esconder-me das migalhas sobrantes
do banquete hegemônico da dominação,
da farra verberante de enganação
que irá flagelar povos e nações,
num novo modo de enriquecimento
transformando o presente momento
em “belos” discursos de novas flagelações.
...e assim, povos e nações
continuarão reféns do empobrecimento,
sem notar o enredo do esquecimento,
sem perceber a marcha do enriquecimento
que há por trás dos grandes discursos,
sambas-enredos dos carnavais do mundo,
onde o cidadão não passará de mero vagabundo,
modo de produção da dominação
dos senhores comensais donos do mundo.
...e assim o eco – sem eco –
das multidões, enfim,
aceito no banquete dos ricos comensais
será comido como sobremesa,
mas expelido será, como estrume
que adubará o pomar da riqueza,
que irá produzir povos e nações
- belos frutos de miséria e pobreza –
reféns de ricos senhores produtores de dominações.
FIÉIS
by João Batista do Lago
Vês
Quanta gente-nada
Assiste ao sermão da
Mumificação do ser?
Essa gente desesperada na
Eterna busca do não-sei-o-quê
Alimenta a dominação
Enriquecendo a igreja da alienação.
Vês
Quanta alma é contrita na
Infinita diasporia da
Crucificação do não-ser?
Essa alma regalada
Revelada em pecado
Cai de joelhos aos bocados e
Morre dia-a-dia na igreja que não crer.
Quanta gente se acredita
Desgraçada eterna ser
Busca em cada esquina… Em cada igreja
Um deus-qualquer para vencer
Presas fáceis são do falso saber
Cristos de toda alienação
Reféns fiéis da dominação
Proscritos e miseráveis continuarão.
NÔMADE
© by João Batista do Lago
Caminho-me dentro do eu-cidade
Perambulo entre avenidas sofridas
Vago ermo procurando a felicidade
Deusa ausente desta cidade vencida
(Macabra)
Monstruosa no seu lamento profano
A cidade me açoita feito vagabundo
Insano; escorregadiço entre humanos
Viajo a saudade da solidão do mundo
(Sânscrito)
Entre os tijolos do sagrado vou
Construindo os deuses da cidade
Velha moradia; mórbida felicidade
Onde o ser sem palavra ficou
(Marginal)
Desço às profundezas da marginalidade
Invisível sujeito castigado pelo ócio da
Produção de classes marginalizadas nos
Guetos dos templos sagrados do moderno
[…]
Na cidade macabra
Caminho minhas dores
Sânscrito deserdado
Marginal dos amores
O DIA EM QUE O CÉU DO ORIENTE CHOROU FOGO
(1989)
(Revisto: 2008)
© De João Batista do Lago
Procurei todas as razões para entender as guerras
Nunca encontrei qualquer motivo que as justificassem
É por isso que não as entendo…
É por isso que não as compreendo.
Jamais aceitei a idéia da guerra como recurso para a paz. Jamais!
Nenhuma guerra é capaz de traduzir a paz. Nenhuma!
Todas são evolução da ignomínia do homem. Todas!
Em todas há a obsessão dada do poder e da ganância. Todas!
Não há razões para o fazer da guerra!
Que direitos são esses do Ocidente sobre o Oriente?
Oh, noite das noites!
Noites que se fazem meteoritos de estanho
Noites que se matam as crianças
Sem lhas dar as chances de saber da esperança
Oh, noite das noites!
Não posso cantar-te em meus versos
De ti resta-me o odor do sangue escarlate
Que jorra da terra como ouro negro
E que se compraz perseguir a alma dos mortais
Noite em que balas dançam pelos céus dos esquecidos!
Quem dera fosse essa noite o Apocalipse de João.
Quem dera!
Não teríamos o amanhã para chorar os sete arcanos
O céu não fumegaria o horror das bombas atómicas:
Buuuuuuuuuummmmmmmmmm…
Aqui uma cabeça; ali uma perna; mais adiante um braço…
Diante de mim vejo o corpo do amor no seu último abraço
Viro o rosto para não gravar tamanha desgraça…
Mas cai à minha frente um coração que pulsa: brasa!
Noites que rompem o tempo e se fazem espaço de guerras!
Pilhas de corpos que se amontoam sobre a relva
Corpos que depois de lavados são plantados em covas rasas
Covas que darão árvores daninhas no alvorecer do amanhã
Árvores que produzirão frutos de carnes humanas
Frutos que serão no teatro da vida o prato de predileção
Teatro onde se há-de encenar o ato seguinte da nova guerra
Guerra que consumará a vitória dos senhores donos do mundo
Vitória que será húmus da miserável guerra que renascerá na terra.
Ó, Senhor de todos os céus, será assim eternamente a sina dos mortais!?
Noites de miseráveis guerras! Noites assassinas da Paz!
OBREIRO
© by João Batista do Lago
Desorientado!
Sim, desorientado saíra de casa…
Casebre.
No caminho do trabalho ia mastigando sua febre de 40º,
ruminando desespero do filho sem leite,
da mulher recém parida,
que ficara na casa – casebre! –
já quase sem vida.
E ele, obreiro de muitas obras,
de tantas e quantas obras,
não tinha obra nenhuma para doar à família.
Toda obra que construíra fora para pagar o salário miserável que consumia no dia-a-dia da sua miserável vida.
Ruminava e ruminava.
Ruminava inconsciente a caminho do matadouro
onde entregaria sua mente a preço vil,
sua força de trabalho restaria na produção covil.
No dia seguinte tudo se repetia.
Ainda assim esperançava um dia
ser dono da mais valia que lhe roubava o pão nosso de cada dia.
E pensava:
“Antes de morrer hei de ver meu filho banhar-se de leite,
minha mulher entre sedas, pedras preciosas e ouro…
Hei de ver! Hei de vencer!”
Passava o tempo e todo dia a mesma coisa se repetia:
refém da mais valia, mas esperançava sempre – um dia! –
o velho trabalhador ter a alegria de ser livre,
de não ser apenas um sofredor; ser dono da sua força de trabalho,
não ser apenas o curinga do baralho ou apenas peça descartável do mercado.
Hoje, velho e maltrapilho… (maltratado!), arrasta-se entre ladrilhos de esperanças, contudo espera que sua criança – ainda sem leite! – não perca a esperança de um dia ser dono da sua laborança,
que seja refratário ao vil capital do consumo,
que seja libertário e que não se deixe pregar à cruz,
para de lá, como eu, apenas dizer:
“consummatum est!”
ÓPERA DO HUMANO
© by João Batista do Lago
Proliferam deuses… Senhores donos do mundo!
Surgem da escuridão e das noites dos tempos
Eterno movimento de sanguessugas modernos
Encenam no teatro da vida a tragédia dos infernos
Desventura da miserável ópera humana
O homem protagoniza o enredo da sorte
Entoa em salmos sua oração mais profana:
Vencer o irmão e subjugá-lo até a morte
Oh! Atores das desgraças abissais
Homens desgraçados por séculos serão
Tua triste sina não se findará jamais
E quando tudo restara sem esperança
No encanto da criação só restará do
Humano o homem feito danado cão
POEMA PARA JOÃO*
© by João Batista do Lago
Para ele a vida era apenas um começo!
Tudo era descoberta. Tudo.
Mas a algoz violência calou João.
João está mudo!
Antes mesmo do deserto da vida calaram João.
Mataram João.
Agora João, a esperança, está mudo.
Agora tudo está mudo.
O calvário de João
Tomado de assalto pelo ladrão, que
Sem qualquer perdão
Arrastou o corpo de João pela
Cidade Maravilhosa,
Começou no semáforo,
Anticorpo das artérias da cidade...
Da cidade de João.
Chicoteado pelo asfalto,
Arrastado pelo sonho do consumo,
João desfilava sua dor
Entre os gritos das gentes:
- Párem... párem... párem,
Pelo amor de Deus, párem!
Mas Deus não estava ali
Para salvar o pequeno João.
Golias venceu Davi!
Agora João está mudo, e
Não está mais aqui, e
Não terá mais o Rio para
Batizar a Vida, e
Não terá mais o mundo – este deserto -,
Para deblaterar contra
A insensatez da miséria.
Quanta pilhéria nos
Revela o calvário do pequeno João!
João está mudo,
Mas se instala em cada coração
Para dizer a toda gente:
- prestem atenção senhores dono do mundo,
Eles não têm razão, e vós, que razões querem ter?
Escutai, escutai com coragem a voz do Ser.
Ah, João não está mudo!
João agora é cada um... é cada ser.
E cada João não quer esquecer
Que em cada ser há um “bom” ladrão...
Ladrões de joões e josés, de marias e madalenas
Que revelam em suas cantilenas
O sofrimento da hora, da agonia de agora,
Mas logo em seguida esquecem a Maria que chora.
João não está mudo!
Está plantado no alto do morro,
De braços abertos, está
Gritando ao mundo, está
Pedindo socorro, está
A toda gente, a todo crente,
E aos donos do mundo, está
Dizendo: menos riqueza... dai conta da miséria e da pobreza.
ROSA NEGRA
© by João Batista do Lago
Da senzala
- a grande casa! –
exala o cheiro de almas
que agora deambulam
pela casa vazia
que grita os berros
que ficaram presos
nas gargantas ornadas
com colares do ferros.
Da senzala
- a grande casa! –
vêm-me os gritos das
dores contidas
das costas entrecortadas
pelo gargalhasso da chibata
que estala no dorso encantado
da negra mucama acorrentada
ao dedo-de-deu que aponta para o céu
Da senzala
- a grande casa! –
poder cretino do senhor dengoso
ouve-se, então, o choro do menino
filho do estupro matutino… ou vespertino
daquela escrava que outrora apanhava
ao pelourinho para gozo do senhorinho
que jamais irá saber do filho negrinho
condenado a viver – toda vida! – sem carinho
Da senzala
- a grande casa! –
ouço os acordes duma canção em lamento:
- Não deixem que apaguem das memórias
as histórias de horror
e de sofrimento,
as dores,
os choros,
os tormentos.
Não esqueçam os estupros.
Não! Não permitam que as flores
apesar da beleza e do aroma
escondam o pólen da dignidade,
da justiça e da virtude.
Não! Não permitam que as rosas
apesar do encanto
e da diversidade das cores,
mascarem a beleza da rosa negra.
SAGA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
© DE João Batista do Lago
A saga pelas Liberdades
Singra as águas do Atlântico
Nasce em Porto revoltoso:
Burgueses indignados estão
Com o gerar da nova Nação
Pois não querem dividir o pão
D’Europa colonizadora
Do Portugal imperialista
Revoltam massas os burgos
Cativam nelas a ignomínia
Verberam vozes de mortes
O Clero de pompas cativa
A Nobreza sempre reativa
Aliciam o corpo armado
Do Exército português
Gerando toda insensatez
Criada a Revolução do Porto
Dá-se, portanto o ultimato:
Retorno à Corte para o Reino
Dizem restaurar a dignidade
Criam monarquia institucional
Exigem incluso Pacto Colonial
Reforçam assim a Ideologia
Geram Revolução Liberal
D. João VI agora submisso
Deixa além-mares único filho:
Pedro I – Regente do Brasil
Terra do nativo varonil
Elevado a escravo da Regência
Ligada ao Portugal senil
Mas Pedro há-nos de vingar
Como Proclamador Del Brasil
Assim começa a rica sina
Das Liberdades do Brasil
Porém a volúpia assassina
Da burguesa portugália
Insistia depredar a Nação
Assaltava o ouro e a prata
Matava o índio sem razão
Queria a República imbecil
Foi então que Pedro – o Primo
Resolveu desacatar a Corte
Disse não à frota-prisão
Viver ou morrer seria solução
Rebelar o Brasil por sorte
Dizer ao povo: “Fico, à morte!”
Selava seu pacto de Razão
Mata Portugal sua nação
Conquista a elite brasileira
Perambula revolucionando:
Rio e Minas e São Paulo
Entre afagos da Condessa
Recebe da carioca Corte
Sentença vinda de Portugal
Não mais é Regente do Brasil
Rebaixado foi a “delegado”
Indigno agora é D. João VI
Não merece a comiseração
Quer do Pedro a rendição
Portugal de João é pretexto
O Rei quer manter a condição
Capitula ante a burguesia
Oferece a cabeça do filho
Iluminismo da sua agonia
Pedro I então indignado
Corta os laços da harmonia
Como tal um predestinado
Ser Libertador do Brasil
Reúne a tropa e o povo
Brada a todos – e ao mundo
Às margens do Ipiranga
“Independência ou Morte!” •
Assim libertou o Brasil das
Garras do império português
Aclamado foi Imperador
Contudo continua a dor
O Povo continua oprimido
O Brasil continua freguês
Ameaças há ao Brasil destemido
D’outro imperialismo burguês.
URUBUS DE FOGO
(Para Neiva Moreira e Freitas Diniz)
O céu é de brigadeiro
Lá bem alto o Urubu-rei espreita
Vasculha o terreno com olhos de rapina
Sente o exalar da fedentina vitorinista
Prepara-se então para sua saga carniceira
Que se revelará no futuro imediato
Sob o manto da bossa-nova
O patrono-mor das misérias marânhicas
O Urubu-rei então já possuidor da carcaça
Abre suas asas e anuncia o seu domínio
Deblatera em alto e bom som o seu reinado
E aos poucos vai construindo-se potentado
Sob a mira de olhares das gentes inconscientes
Incapazes de verem à sua frente o fogo voraz
Da mente contumaz da miséria sagaz
Deste Maranhão que dorme sob as suas asas
Mas o Maranhão que não é só maranhão
Não quererá mais quatro décadas de dominação
E grita: “- É chegada a hora da redenção!”
E assim retoma para si toda dignidade
Resgata a honradez cidadã e a liberdade
O desejo de construir o seu novo mundo
Sem permitir que qualquer vagabundo
Subjugue tão-somente a nação marânhica valente
(Urubus são urubus – mesmo os de fogo e rei
Das terras do Maranhão não mais se apossarão
Feitos donatários republicanos de plantão, pois
Em terras do Maranhão há, por certo, nova nação!)
Libertação
© De João Batista do Lago
Essa ambígua ordeiricidade brasileira, e
conseqüentemente, do seu povo:
país do carnaval! da mulata brasileira!
país do futebol! da malandragem fagueira!
é ufanismo trigueiro da burguesa “Luzes”
subjetivismo do discurso da dominação.
Sob este manto praticam-se o
terrorismo social e o econômico, o
político e o cultural, abstrusos, mas
coesos no seu conjunto ideológico
incrustado no terrorismo de Estado, que não
permite aos comuns cidadãos
perceberem, desde sempre, a condenação de
suas almas numa constante subjugação.
A tudo isso se junte, ainda, a
medíocre “democracia racial”:
falsa consciência da inclusão
sob o beneplácito das elites, da
classe média e da burguesia.
E os ladrões de sempre,
que roubaram, que roubam e, por certo,
roubarão este povo que teima em não acordar, que
continua “dormindo em berço esplêndido”,
continuam nos palácios a nos encantar
com a máxima da escravidão:
“O Brasil é uma nação ordeira” – dizem.
E assim continuamos nossa sina
- com o apoio do burguês trabalhador que
vendeu sua dignidade, que
teve seu espírito comprado, que se
esconde sob a proteção de sindicatos
fascistas e sustentados pelo Estado terrorista que
assalta, que furta o trabalhador comum
compulsoriamente dilapidando o miserável salário,
que se lhe arranca da boca a comida, do
intelecto a educação, do
corpo a moradia.
Não menos indulgente é a
burguesia intelectual
que num eterno louva-deus
locupleta-se com migalhas furtadas
comprantes das ideologias de
plantão que permite assegurar o
quinhão da dominação.
Da mesma maneira o ramo
podre da religião assim também age
utilizando o campo do sagrado
como fonte inexorável de opressão
fazendo cair sobre os desgraçados da sorte o
fogo do inferno se porventura desejarem libertação.
No mesmo ritual teleológico
segue o burocrata, o empresário e o político,
os três Poderes: o Judiciário, o Executivo, o Legislativo
– a “representação do povo”!
Não é, pois, o momento da indignação?
Porventura não é chegada a hora da libertação?
A nação não pode condescender com seus
detratores, com seus ladrões, com seus
usurpadores, com seus facínoras, com seus
ditadores – falsos democratas, antiprofetas da salvação.
Prestai atenção, ó brasileiros!
Ó povo dos trabalhadores,
povo deserdado, vexado e proscrito!
Povo (que é) aprisionado, (que é) julgado e (que é) morto!
Povo ultrajado, povo marcado!
Não sabeis que mesmo para a paciência,
mesmo para a dedicação, há um limite?
Não deixarás de dar ouvidos a estes
oradores do misticismo que te dizem
para rezar e esperar,
pregando a salvação pela religião ou pelo poder e cuja
palavra veemente e sonora te cativa?
Teu destino é um enigma que nem a força física,
nem a coragem da alma, nem as iluminações e o entusiasmo,
nem a exaltação de nenhum sentimento pode resolver.
Aqueles que te dizem o contrário enganam-te e seus
discursos servem apenas para retardar a hora de tua libertação, que
está preste a soar.
O que são o entusiasmo e o sentimento?
O que é uma poesia vã diante da necessidade?
Para vencer a necessidade há apenas a Necessidade,
razão última da natureza, pura essência da matéria e do espírito.
Dá-me, agora, ó brasileiros, um pouco da vossa atenção!
Tomai como vosso este poema e cantai em toda praça a todo cidadão.
Sustentai este grito de alerta, de levante, de atitude revolucionária
contra os vituperadores que tomaram esta nação:
(é) uma convocação para a revolta,
(é) uma ode à desobediência civil,
(é) um convite à marcha contra os canalhas,
(é) uma incitação à derrubada do Estado terrorista.
Mas também quero vos alertar:
os ladrões do Brasil e de seu povo, a
camarilha instalada nos três poderes, a
elite, a classe média e os burgueses,
jamais concordarão com este deblaterar.
E dirão com certeza:
- Não passa de um ‘esquerdista radical’,
um ‘maoísta’, um ‘leninista’, um ‘marxista’,
enfim...
‘um comunista’.
Ou, no mínimo, dirão:
um “revoltado”,
um “louco”...
Aí então deverás, desde sempre,
rechaçar e repelir veementemente a
prosa ditirâmbica dessa camarilha de ladrões.
Não dareis, jamais, o direito de te definirem,
de te identificarem, de te marcarem (feito gado encurralado)
segundo seus conceitos, seus preceitos, seus preconceitos.
E direis:
- Tens agora, ó indignos bufões, o
vicejar de um novo Sujeito,
tens, aqui, por certo, o
discurso da indignada nação, que
não quer ver o seu povo,
por toda eternidade,
dirigido pela corrupção, que
não deseja ser representado
por congressos de ladrões,
governado por rufiões do poder, que se
escondem sob a toga da inquisição.
E afirmareis a sentença da libertação:
“Se os apelos dos movimentos urbanos não são atendidos,
se os novos caminhos políticos permanecem fechados,
se os novos movimentos sociais não se desenvolvem totalmente,
então, tais movimentos
- utopias reativas que tentarão iluminar o caminho a que não tinham acesso –
retornarão, mas dessa vez, como sombras urbanas,
ávidas por destruir as muralhas cerradas de sua nação cativa”.
(in EU, PESCADOR DE ILUSÕES, 2006, Ed. Lulu Press)
A QUIMERA DA REPETIÇÃO
© by João Batista do Lago
... e de repente de novo o povo é convocado para uma nova quimera
... e de repente de novo o povo atende ao apelo mesmamente
estamos diante de uma nova eleição
parece festa de São João
os brincantes meus-bois-bumbás
não percebem que se encontram curralados
nos arraiais da nação
que seus amos estão sempre-alertas
para lhes arrancar a língua
e servir com o pirão da inconsciência
o farto manjar na mesa da dominação
não basta devorar a consciência da população para ser um bom ladrão...
é preciso mais que isso
é preciso comer a palavra da reação
(mesmo que esta reação
seja instintiva
não pensada
imemoriada
não-reativa)
não permitir que o boi entenda que no interior da sua força carrega tanta e tamanha libertação...
é preciso dissuadir
enganar é preciso
votar não é preciso não... com precisão
renovar a dentadura do Mimoso
é preciso
ajuda ruminar o chibé
(pirão feito com água, farinha de mandioca e açúcar ou mel
e por vezes temperado com cachaça e também com pimentão)
dar novos olhos ao Caprichoso
é preciso
ajuda a enxergar a inação da nação
falsa consciência do democrático
campo real da alienação
... e de repente de novo o povo é convocado para uma nova quimera
... e de repente de novo o povo atende ao apelo mesmamente
e lá se vai o boi
inconsciente
para o matadouro:
manso
tranquilo
calmo
alienado...
sem língua
com dentadura
sem visão
com óculos
feito povo marcado
feito gente desprezada
depositar na urna
o voto da esperança perdida
amanhã...
quem sabe o amanhã
... e de repente de novo o povo é convocado para uma nova quimera
... e de repente de novo o povo atende ao apelo mesmamente
implícito na poética de
João Batista do Lago
“(...)
Ao falar mais especificamente do caráter literário da sua poesia JOÃO BATISTA DO LAGO revela que se considera um poeta “surracionalista” (palavra cunhada pelo filósofo francês Gaston Bachelard, para conceituar a poesia inferida ou abstraída de um campo filosófico), isto porque, diz ele: “como nos ensina Bachelard, é necessário estar presente, presente à imagem no minuto da imagem: se há uma filosofia da poesia ela deve nascer e renascer por acasião de um verso dominante, na adesão total de uma imagem isolada, muito precisamente no próprio êxtase da novidade da imagem”. E enfantiza o autor maranhense: “É assim a minha poética: gênese da imagem e do instinto do instante, ou seja, a minha poesia é o resultado da hora presente em toda a sua experiência, experimentação e experienciação do objeto imaginado no instante em que é, por natureza, imaginado”.
A imagem poética é um súbito realce do psiquismo, realce mal estudado em causalidades psicológicas subalternas”; tal qual no surrealismo utilizo as palavras como objeto para alcançar o objetivo de uma ‘experienciação’ para uma nova realidade experimental, sacando-a do campo da simples epistemologia e introduzindo-a no campo da ontologia pura, na qual é operante uma meta-estética da fenomenotécnica; minha proposta é ultrapassar a simples qüididade da palavra e do texto no que se refere à essencialidade ou a substancialidade - seja geométrica, estética ou gramatical. Ora, isso sugere a desverbalização da palavra em si, de si e para si, o que significa a desconstrução do discurso da palavra ou do texto homófono, para constituí-lo e fixá-lo como ‘sujeito’ do discurso substancial, real e concreto”.
(...)”
ALIENATÓRIO
Lá vai um homem
Para o seu trabalho
Para o seu trabalho
Lá vai um homem...
Todo dia é sempre tudo igual
A “Coisa” toma sua dose letal...
Lá vem um homem
Para a sua casa
Para a sua casa
Lá vem um homem...
Todo dia é sempre tudo igual
A “Coisa” prepara seu ato final...
Quando vai para o trabalho
A “Coisa” não desespera...
Espera!
Quando vai para sua casa
A “Coisa” espera...
Desespera!
Toma uma cachaça no boteco
Tira-gosto com lingüiça...
Espreguiça-se no balcão do nada
Troca um lero-lero com a rapaziada...
E aí vai pra casa ruminando a liça
Assoviando um bolero...
Cantarola:
“Eu não sou cachorro, não
para viver...”
Todo dia é sempre tudo igual!
ANOMIA
Por João Batista do Lago
Perambula pela tonta cidade
O exército dos deserdados
Há muito condenado
Perdido e desgraçado da sorte
Anômico mendiga uma naca de felicidade
Esses soldados da infeliz cidade
Não conseguem essa guerra vencer
E assim desesperam dia-a-dia no viver
Vêem dia-a-dia a esperança morrer (mas)
Sem trabalho si morrem em cada alvorecer
E a cidade... Ó, infeliz cidade!
Anônima de toda felicidade
Enfileira sua miséria encantada
E transforma a vida dos deserdados
Em campo de concentração de miseráveis
Ah, povo dos trabalhadores!
Povo deserdado.
Povo condenado.
Povo vexado.
Povo marcado.
Não esperem que o céu resolva suas dores
Essa divinal esperança só aumenta seus horrores
Isso não é destino de Deus: é do homem a miserável economia!
Que encerra todas as gentes no inferno da anomia
BRASÍLIA
Por João Batista do Lago
No paço da República
O passo só descompassa
- a “res” nunca é pública!
No passo da República
- a “res” nunca é pública
O paço só descompassa!
CANÇÃO DO REGRESSO
Por João Batista do Lago
Minha terra tem um rio
Onde se pode navegar
As águas que nele correm
Não mais existem por cá
Minha terra tem um rio
Sob solares e luares
Minha terra tem Quilombos
Onde não há n’outros lugares
Sob os céus de Itapecuru
Há muitas histórias pra contar
A mais bela dentre todas
O povo precisa resgatar
Minha terra tem Orixás
Tem o “Tutor das Liberdades”
Negro Cosme o seu nome
Há de vingar sua dignidade
Não permitam os Encantados
Que eu morra sem antes pra lá voltar
Quero encontrar com todo meu povo
Com todos eles quero brincar e dançar
Minha terra tem Carnaúbas
Nelas também canta o Sabiá
Têm Bem-te-vi e Ioruba
Todos filhos de Oxalá
Não permita Iemanjá qu’eu morra
Sem que eu volte para lá
Minha terra tem um rio:
Rio Itapecuru – dá nome ao lugar
Não permita Deus qu’eu morra
Sem em suas Águas mergulhar
CANTO VIÉS
© De João Batista do Lago
Que adianta o lirismo,
Que adianta a estética,
Que adianta o belo
Residente na poética?
Sim!
Que adianta tudo isso
Se a vida não é assim?
Foges pela tangente do real
Escapas pelos esgotos da beleza
Cegas-te para não enxergar a dureza
Cruel gerada na alma animal
Do homem que da vida é só vileza!
Oh, meu caro João, não me tome por mal;
Bem sei da beleza que na vida há. Bem sei!
E um dia hei-de a cantar nalgum verso toda essa beleza,
Mas agora é prudente falar da maldade que há
Instalada – em qualquer lugar – na beleza
Perdida no barro da criação.
- Não tenho dúvida, João, sou filho da indignação.
Que adianta cantar a esperança, se matam em mim a criança?
Que adianta cantar a paz, se me constroem soldado das guerras?
Que adianta cantar a vida, se dela não me há qualquer guarida?
Não. Não tenho por que sorrir…
Nem mesmo lágrimas me restaram para chorar.
Todo sorriso; toda lágrima
Restaram consumados na insensatez doa próprio Ser.
Quero sim, à vida cantar!
Dizer dela toda beleza no plural e no singular:
A rosa, são rosas
A flor, são flores
O amor, são amores
Na dor, não há-de haver dores
Na fome, há-de haver todo alimento
No Ser, toda solidariedade
Da ação, nenhuma maldade
Quero, pois, assim,
Toda vida cantarolar
CARTA PARA OUTRO-EU
© by João Batista do Lago
Olá, meu caro.
Há quanto tempo não nos falamos!
Gostaria de ter notícias tuas...
Como andas? O que tens feito da vida?
Sabes, ainda ontem andei pensando em nós dois.
Quando éramos crianças (lembras?)
brincávamos no alpendre lá de casa,
corríamos por entre quartos, paredes e corredores...
Ah, o Rex sempre nos atormentando,
atravessando nossos caminhos
mordendo nossos tornozelos...
- Parem, meninos, parem com essa correria.
Gritava mamãe sempre que passávamos por ela,
escrava que era daquela máquina de costurar:
tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic...
tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic...
Assim ela ia cosendo nossas vidas, nossas histórias... e nossas estórias.
Dia após dia de intermináveis costurares!
Mas nós continuávamos a brincar, a correr, a pular:
E ela: - Parem, meninos, parem com essa correria – insistia em nos alertar.
E a máquina: tchic, tchic... tchic,tchic... tchic,tchic... tchic, tchic... tchic,tchic...
tchic, tchic... tchic,tchic... tchic,tchic... tchic, tchic... tchic,tchic...
Ah, meu caro, tenho pavor às saudades, mas
percebo que hoje, ao alcançar esta minha idade,
elas se apresentam tão salientes que são difícil não escutá-las.
Elas estão presentes em tudo e em todos os lugares!
Ó, amigo, essas saudades são de amargar, me
incomodam e se instalam em qualquer lugar
ficam o tempo todo a me vasculhar...
Saudades são como carrapatos de almas,
verdadeiros parasitas inconfessos
sanguessugas de velhas e novas lembranças, (que)
roubam a consciência da presente esperança.
Sabes! Hoje tenho nítida sensação de me haver
internado numa masmorra. Sinto-me preso.
Estou isolado num infinito labirinto.
Não sei quando entrei... e nem por onde.
Não encontro portas de saída. Estou só.
Vago noites e dias entre as paredes frias da
minha masmorra sem portas. Ouço o
lamento do vazio num eterno calafrio de
vozes que me vêm do além mais próximo de mim:
ecos de dores... de horrores. São
quermesses do nada exaltando o meu fim.
Vês, meu caro, o quanto sinto tua falta?
Preciso-te. Necessito alentar minha dor, pois
somente a palavra do poeta – palavra de sofredor! -
não resolve a carência maior de minha paixão em flor.
Sim! Preciso-te, caro amigo, para
novamente corrermos entre quartos, paredes e corredores
conversarmos com o vento e a infância, sem
precisar ficar espantado com a adulta ignorância.
Sim! Preciso-te. Urgentemente preciso-te.
Preciso-te para viver minha eternidade de criança.
Preciso-te para sair desta masmorra. Deste labirinto.
Abraço-te, meu caro.
Eu.
CIRCULAR A MIS HERMANOS
by João Batista do Lago
Hermanos del mundo
La expansión engañosa
La felicidad ilusoria
Ofrecida a nosotros
Hace mucho tiempo
Queda nuestra morada
Desandando nuestras vidas
Asesinando nuestras esperanzas
Hermanos del mundo
La muerte da Gaia
Es el fallecimiento de nosotros...
Con la muerte de Gaia
Fallecemos con ella
Quedados ante la fiesta desgraciada
De hombres carrascos
Productos del capitalismo cruel
Hermanos del mundo
Llanamente morimos...
Que hacer delante de los carrascos
Asesinos indomables del pueblo...
Que hacer hermanos del mundo
Esperar por Dios… Oh, no,
Dios no Es responsable
Por la miserabilidad e ganancia
Hermanos del mundo
La invitación es forzosa
Clama a detenerse la muerte da Gaia
Clama a evitarse la muerte de los hijos – nosotros
Clama a vencerse la ganancia
De los brujos capitalistas
Señores de la miserabilidad
Asesinos de la humanidad
CONTRA-CANALHAS!
© by João Batista do Lago
Quanto tempo ainda restará
Para conviver com os canalhas?
Vive-se um tempo de batalha: a
Virtude é pura moeda rara!
Perdeu-se a vergonha da cara;
Falta coragem de usar a navalha.
Ó, República da vagabundalha,
República de miserável sorte,
Rasgaram-te as vestes da Ética (e)
Curvaram-te ante essa estética
Sangram-te, ó mãe, os canalhas!
Arrancar-te o Direito do peito é
Tudo que deseja a vagabundalha:
Nação inerte; prostrada ao leito.
Sangram-te, ó mãe, os canalhas!
Mas haverá dia que todo malfeito
Restará findo… restará morto…
A nação cativa se levantará do jugo
Então aí – o povo –, plebe ignara,
Tomará as rédeas do desatino e
Fará da nação cativa seu destino:
República de Virtude, Ética e Direito.
DAVOS
Por João Batista do Lago
...e assim calo o meu silêncio,
já tão calado
e tão sofrido,
diante do discurso alegre,
miseravelmente alegre,
dos senhores
donos do mundo,
agora amedrontados
com a hipótese do fim.
...e assim escorrego para dentro de mim,
o mais profundo possível,
para esconder-me das migalhas sobrantes
do banquete hegemônico da dominação,
da farra verberante de enganação
que irá flagelar povos e nações,
num novo modo de enriquecimento
transformando o presente momento
em “belos” discursos de novas flagelações.
...e assim, povos e nações
continuarão reféns do empobrecimento,
sem notar o enredo do esquecimento,
sem perceber a marcha do enriquecimento
que há por trás dos grandes discursos,
sambas-enredos dos carnavais do mundo,
onde o cidadão não passará de mero vagabundo,
modo de produção da dominação
dos senhores comensais donos do mundo.
...e assim o eco – sem eco –
das multidões, enfim,
aceito no banquete dos ricos comensais
será comido como sobremesa,
mas expelido será, como estrume
que adubará o pomar da riqueza,
que irá produzir povos e nações
- belos frutos de miséria e pobreza –
reféns de ricos senhores produtores de dominações.
FIÉIS
by João Batista do Lago
Vês
Quanta gente-nada
Assiste ao sermão da
Mumificação do ser?
Essa gente desesperada na
Eterna busca do não-sei-o-quê
Alimenta a dominação
Enriquecendo a igreja da alienação.
Vês
Quanta alma é contrita na
Infinita diasporia da
Crucificação do não-ser?
Essa alma regalada
Revelada em pecado
Cai de joelhos aos bocados e
Morre dia-a-dia na igreja que não crer.
Quanta gente se acredita
Desgraçada eterna ser
Busca em cada esquina… Em cada igreja
Um deus-qualquer para vencer
Presas fáceis são do falso saber
Cristos de toda alienação
Reféns fiéis da dominação
Proscritos e miseráveis continuarão.
NÔMADE
© by João Batista do Lago
Caminho-me dentro do eu-cidade
Perambulo entre avenidas sofridas
Vago ermo procurando a felicidade
Deusa ausente desta cidade vencida
(Macabra)
Monstruosa no seu lamento profano
A cidade me açoita feito vagabundo
Insano; escorregadiço entre humanos
Viajo a saudade da solidão do mundo
(Sânscrito)
Entre os tijolos do sagrado vou
Construindo os deuses da cidade
Velha moradia; mórbida felicidade
Onde o ser sem palavra ficou
(Marginal)
Desço às profundezas da marginalidade
Invisível sujeito castigado pelo ócio da
Produção de classes marginalizadas nos
Guetos dos templos sagrados do moderno
[…]
Na cidade macabra
Caminho minhas dores
Sânscrito deserdado
Marginal dos amores
O DIA EM QUE O CÉU DO ORIENTE CHOROU FOGO
(1989)
(Revisto: 2008)
© De João Batista do Lago
Procurei todas as razões para entender as guerras
Nunca encontrei qualquer motivo que as justificassem
É por isso que não as entendo…
É por isso que não as compreendo.
Jamais aceitei a idéia da guerra como recurso para a paz. Jamais!
Nenhuma guerra é capaz de traduzir a paz. Nenhuma!
Todas são evolução da ignomínia do homem. Todas!
Em todas há a obsessão dada do poder e da ganância. Todas!
Não há razões para o fazer da guerra!
Que direitos são esses do Ocidente sobre o Oriente?
Oh, noite das noites!
Noites que se fazem meteoritos de estanho
Noites que se matam as crianças
Sem lhas dar as chances de saber da esperança
Oh, noite das noites!
Não posso cantar-te em meus versos
De ti resta-me o odor do sangue escarlate
Que jorra da terra como ouro negro
E que se compraz perseguir a alma dos mortais
Noite em que balas dançam pelos céus dos esquecidos!
Quem dera fosse essa noite o Apocalipse de João.
Quem dera!
Não teríamos o amanhã para chorar os sete arcanos
O céu não fumegaria o horror das bombas atómicas:
Buuuuuuuuuummmmmmmmmm…
Aqui uma cabeça; ali uma perna; mais adiante um braço…
Diante de mim vejo o corpo do amor no seu último abraço
Viro o rosto para não gravar tamanha desgraça…
Mas cai à minha frente um coração que pulsa: brasa!
Noites que rompem o tempo e se fazem espaço de guerras!
Pilhas de corpos que se amontoam sobre a relva
Corpos que depois de lavados são plantados em covas rasas
Covas que darão árvores daninhas no alvorecer do amanhã
Árvores que produzirão frutos de carnes humanas
Frutos que serão no teatro da vida o prato de predileção
Teatro onde se há-de encenar o ato seguinte da nova guerra
Guerra que consumará a vitória dos senhores donos do mundo
Vitória que será húmus da miserável guerra que renascerá na terra.
Ó, Senhor de todos os céus, será assim eternamente a sina dos mortais!?
Noites de miseráveis guerras! Noites assassinas da Paz!
OBREIRO
© by João Batista do Lago
Desorientado!
Sim, desorientado saíra de casa…
Casebre.
No caminho do trabalho ia mastigando sua febre de 40º,
ruminando desespero do filho sem leite,
da mulher recém parida,
que ficara na casa – casebre! –
já quase sem vida.
E ele, obreiro de muitas obras,
de tantas e quantas obras,
não tinha obra nenhuma para doar à família.
Toda obra que construíra fora para pagar o salário miserável que consumia no dia-a-dia da sua miserável vida.
Ruminava e ruminava.
Ruminava inconsciente a caminho do matadouro
onde entregaria sua mente a preço vil,
sua força de trabalho restaria na produção covil.
No dia seguinte tudo se repetia.
Ainda assim esperançava um dia
ser dono da mais valia que lhe roubava o pão nosso de cada dia.
E pensava:
“Antes de morrer hei de ver meu filho banhar-se de leite,
minha mulher entre sedas, pedras preciosas e ouro…
Hei de ver! Hei de vencer!”
Passava o tempo e todo dia a mesma coisa se repetia:
refém da mais valia, mas esperançava sempre – um dia! –
o velho trabalhador ter a alegria de ser livre,
de não ser apenas um sofredor; ser dono da sua força de trabalho,
não ser apenas o curinga do baralho ou apenas peça descartável do mercado.
Hoje, velho e maltrapilho… (maltratado!), arrasta-se entre ladrilhos de esperanças, contudo espera que sua criança – ainda sem leite! – não perca a esperança de um dia ser dono da sua laborança,
que seja refratário ao vil capital do consumo,
que seja libertário e que não se deixe pregar à cruz,
para de lá, como eu, apenas dizer:
“consummatum est!”
ÓPERA DO HUMANO
© by João Batista do Lago
Proliferam deuses… Senhores donos do mundo!
Surgem da escuridão e das noites dos tempos
Eterno movimento de sanguessugas modernos
Encenam no teatro da vida a tragédia dos infernos
Desventura da miserável ópera humana
O homem protagoniza o enredo da sorte
Entoa em salmos sua oração mais profana:
Vencer o irmão e subjugá-lo até a morte
Oh! Atores das desgraças abissais
Homens desgraçados por séculos serão
Tua triste sina não se findará jamais
E quando tudo restara sem esperança
No encanto da criação só restará do
Humano o homem feito danado cão
POEMA PARA JOÃO*
© by João Batista do Lago
Para ele a vida era apenas um começo!
Tudo era descoberta. Tudo.
Mas a algoz violência calou João.
João está mudo!
Antes mesmo do deserto da vida calaram João.
Mataram João.
Agora João, a esperança, está mudo.
Agora tudo está mudo.
O calvário de João
Tomado de assalto pelo ladrão, que
Sem qualquer perdão
Arrastou o corpo de João pela
Cidade Maravilhosa,
Começou no semáforo,
Anticorpo das artérias da cidade...
Da cidade de João.
Chicoteado pelo asfalto,
Arrastado pelo sonho do consumo,
João desfilava sua dor
Entre os gritos das gentes:
- Párem... párem... párem,
Pelo amor de Deus, párem!
Mas Deus não estava ali
Para salvar o pequeno João.
Golias venceu Davi!
Agora João está mudo, e
Não está mais aqui, e
Não terá mais o Rio para
Batizar a Vida, e
Não terá mais o mundo – este deserto -,
Para deblaterar contra
A insensatez da miséria.
Quanta pilhéria nos
Revela o calvário do pequeno João!
João está mudo,
Mas se instala em cada coração
Para dizer a toda gente:
- prestem atenção senhores dono do mundo,
Eles não têm razão, e vós, que razões querem ter?
Escutai, escutai com coragem a voz do Ser.
Ah, João não está mudo!
João agora é cada um... é cada ser.
E cada João não quer esquecer
Que em cada ser há um “bom” ladrão...
Ladrões de joões e josés, de marias e madalenas
Que revelam em suas cantilenas
O sofrimento da hora, da agonia de agora,
Mas logo em seguida esquecem a Maria que chora.
João não está mudo!
Está plantado no alto do morro,
De braços abertos, está
Gritando ao mundo, está
Pedindo socorro, está
A toda gente, a todo crente,
E aos donos do mundo, está
Dizendo: menos riqueza... dai conta da miséria e da pobreza.
ROSA NEGRA
© by João Batista do Lago
Da senzala
- a grande casa! –
exala o cheiro de almas
que agora deambulam
pela casa vazia
que grita os berros
que ficaram presos
nas gargantas ornadas
com colares do ferros.
Da senzala
- a grande casa! –
vêm-me os gritos das
dores contidas
das costas entrecortadas
pelo gargalhasso da chibata
que estala no dorso encantado
da negra mucama acorrentada
ao dedo-de-deu que aponta para o céu
Da senzala
- a grande casa! –
poder cretino do senhor dengoso
ouve-se, então, o choro do menino
filho do estupro matutino… ou vespertino
daquela escrava que outrora apanhava
ao pelourinho para gozo do senhorinho
que jamais irá saber do filho negrinho
condenado a viver – toda vida! – sem carinho
Da senzala
- a grande casa! –
ouço os acordes duma canção em lamento:
- Não deixem que apaguem das memórias
as histórias de horror
e de sofrimento,
as dores,
os choros,
os tormentos.
Não esqueçam os estupros.
Não! Não permitam que as flores
apesar da beleza e do aroma
escondam o pólen da dignidade,
da justiça e da virtude.
Não! Não permitam que as rosas
apesar do encanto
e da diversidade das cores,
mascarem a beleza da rosa negra.
SAGA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
© DE João Batista do Lago
A saga pelas Liberdades
Singra as águas do Atlântico
Nasce em Porto revoltoso:
Burgueses indignados estão
Com o gerar da nova Nação
Pois não querem dividir o pão
D’Europa colonizadora
Do Portugal imperialista
Revoltam massas os burgos
Cativam nelas a ignomínia
Verberam vozes de mortes
O Clero de pompas cativa
A Nobreza sempre reativa
Aliciam o corpo armado
Do Exército português
Gerando toda insensatez
Criada a Revolução do Porto
Dá-se, portanto o ultimato:
Retorno à Corte para o Reino
Dizem restaurar a dignidade
Criam monarquia institucional
Exigem incluso Pacto Colonial
Reforçam assim a Ideologia
Geram Revolução Liberal
D. João VI agora submisso
Deixa além-mares único filho:
Pedro I – Regente do Brasil
Terra do nativo varonil
Elevado a escravo da Regência
Ligada ao Portugal senil
Mas Pedro há-nos de vingar
Como Proclamador Del Brasil
Assim começa a rica sina
Das Liberdades do Brasil
Porém a volúpia assassina
Da burguesa portugália
Insistia depredar a Nação
Assaltava o ouro e a prata
Matava o índio sem razão
Queria a República imbecil
Foi então que Pedro – o Primo
Resolveu desacatar a Corte
Disse não à frota-prisão
Viver ou morrer seria solução
Rebelar o Brasil por sorte
Dizer ao povo: “Fico, à morte!”
Selava seu pacto de Razão
Mata Portugal sua nação
Conquista a elite brasileira
Perambula revolucionando:
Rio e Minas e São Paulo
Entre afagos da Condessa
Recebe da carioca Corte
Sentença vinda de Portugal
Não mais é Regente do Brasil
Rebaixado foi a “delegado”
Indigno agora é D. João VI
Não merece a comiseração
Quer do Pedro a rendição
Portugal de João é pretexto
O Rei quer manter a condição
Capitula ante a burguesia
Oferece a cabeça do filho
Iluminismo da sua agonia
Pedro I então indignado
Corta os laços da harmonia
Como tal um predestinado
Ser Libertador do Brasil
Reúne a tropa e o povo
Brada a todos – e ao mundo
Às margens do Ipiranga
“Independência ou Morte!” •
Assim libertou o Brasil das
Garras do império português
Aclamado foi Imperador
Contudo continua a dor
O Povo continua oprimido
O Brasil continua freguês
Ameaças há ao Brasil destemido
D’outro imperialismo burguês.
URUBUS DE FOGO
(Para Neiva Moreira e Freitas Diniz)
O céu é de brigadeiro
Lá bem alto o Urubu-rei espreita
Vasculha o terreno com olhos de rapina
Sente o exalar da fedentina vitorinista
Prepara-se então para sua saga carniceira
Que se revelará no futuro imediato
Sob o manto da bossa-nova
O patrono-mor das misérias marânhicas
O Urubu-rei então já possuidor da carcaça
Abre suas asas e anuncia o seu domínio
Deblatera em alto e bom som o seu reinado
E aos poucos vai construindo-se potentado
Sob a mira de olhares das gentes inconscientes
Incapazes de verem à sua frente o fogo voraz
Da mente contumaz da miséria sagaz
Deste Maranhão que dorme sob as suas asas
Mas o Maranhão que não é só maranhão
Não quererá mais quatro décadas de dominação
E grita: “- É chegada a hora da redenção!”
E assim retoma para si toda dignidade
Resgata a honradez cidadã e a liberdade
O desejo de construir o seu novo mundo
Sem permitir que qualquer vagabundo
Subjugue tão-somente a nação marânhica valente
(Urubus são urubus – mesmo os de fogo e rei
Das terras do Maranhão não mais se apossarão
Feitos donatários republicanos de plantão, pois
Em terras do Maranhão há, por certo, nova nação!)
Libertação
© De João Batista do Lago
Essa ambígua ordeiricidade brasileira, e
conseqüentemente, do seu povo:
país do carnaval! da mulata brasileira!
país do futebol! da malandragem fagueira!
é ufanismo trigueiro da burguesa “Luzes”
subjetivismo do discurso da dominação.
Sob este manto praticam-se o
terrorismo social e o econômico, o
político e o cultural, abstrusos, mas
coesos no seu conjunto ideológico
incrustado no terrorismo de Estado, que não
permite aos comuns cidadãos
perceberem, desde sempre, a condenação de
suas almas numa constante subjugação.
A tudo isso se junte, ainda, a
medíocre “democracia racial”:
falsa consciência da inclusão
sob o beneplácito das elites, da
classe média e da burguesia.
E os ladrões de sempre,
que roubaram, que roubam e, por certo,
roubarão este povo que teima em não acordar, que
continua “dormindo em berço esplêndido”,
continuam nos palácios a nos encantar
com a máxima da escravidão:
“O Brasil é uma nação ordeira” – dizem.
E assim continuamos nossa sina
- com o apoio do burguês trabalhador que
vendeu sua dignidade, que
teve seu espírito comprado, que se
esconde sob a proteção de sindicatos
fascistas e sustentados pelo Estado terrorista que
assalta, que furta o trabalhador comum
compulsoriamente dilapidando o miserável salário,
que se lhe arranca da boca a comida, do
intelecto a educação, do
corpo a moradia.
Não menos indulgente é a
burguesia intelectual
que num eterno louva-deus
locupleta-se com migalhas furtadas
comprantes das ideologias de
plantão que permite assegurar o
quinhão da dominação.
Da mesma maneira o ramo
podre da religião assim também age
utilizando o campo do sagrado
como fonte inexorável de opressão
fazendo cair sobre os desgraçados da sorte o
fogo do inferno se porventura desejarem libertação.
No mesmo ritual teleológico
segue o burocrata, o empresário e o político,
os três Poderes: o Judiciário, o Executivo, o Legislativo
– a “representação do povo”!
Não é, pois, o momento da indignação?
Porventura não é chegada a hora da libertação?
A nação não pode condescender com seus
detratores, com seus ladrões, com seus
usurpadores, com seus facínoras, com seus
ditadores – falsos democratas, antiprofetas da salvação.
Prestai atenção, ó brasileiros!
Ó povo dos trabalhadores,
povo deserdado, vexado e proscrito!
Povo (que é) aprisionado, (que é) julgado e (que é) morto!
Povo ultrajado, povo marcado!
Não sabeis que mesmo para a paciência,
mesmo para a dedicação, há um limite?
Não deixarás de dar ouvidos a estes
oradores do misticismo que te dizem
para rezar e esperar,
pregando a salvação pela religião ou pelo poder e cuja
palavra veemente e sonora te cativa?
Teu destino é um enigma que nem a força física,
nem a coragem da alma, nem as iluminações e o entusiasmo,
nem a exaltação de nenhum sentimento pode resolver.
Aqueles que te dizem o contrário enganam-te e seus
discursos servem apenas para retardar a hora de tua libertação, que
está preste a soar.
O que são o entusiasmo e o sentimento?
O que é uma poesia vã diante da necessidade?
Para vencer a necessidade há apenas a Necessidade,
razão última da natureza, pura essência da matéria e do espírito.
Dá-me, agora, ó brasileiros, um pouco da vossa atenção!
Tomai como vosso este poema e cantai em toda praça a todo cidadão.
Sustentai este grito de alerta, de levante, de atitude revolucionária
contra os vituperadores que tomaram esta nação:
(é) uma convocação para a revolta,
(é) uma ode à desobediência civil,
(é) um convite à marcha contra os canalhas,
(é) uma incitação à derrubada do Estado terrorista.
Mas também quero vos alertar:
os ladrões do Brasil e de seu povo, a
camarilha instalada nos três poderes, a
elite, a classe média e os burgueses,
jamais concordarão com este deblaterar.
E dirão com certeza:
- Não passa de um ‘esquerdista radical’,
um ‘maoísta’, um ‘leninista’, um ‘marxista’,
enfim...
‘um comunista’.
Ou, no mínimo, dirão:
um “revoltado”,
um “louco”...
Aí então deverás, desde sempre,
rechaçar e repelir veementemente a
prosa ditirâmbica dessa camarilha de ladrões.
Não dareis, jamais, o direito de te definirem,
de te identificarem, de te marcarem (feito gado encurralado)
segundo seus conceitos, seus preceitos, seus preconceitos.
E direis:
- Tens agora, ó indignos bufões, o
vicejar de um novo Sujeito,
tens, aqui, por certo, o
discurso da indignada nação, que
não quer ver o seu povo,
por toda eternidade,
dirigido pela corrupção, que
não deseja ser representado
por congressos de ladrões,
governado por rufiões do poder, que se
escondem sob a toga da inquisição.
E afirmareis a sentença da libertação:
“Se os apelos dos movimentos urbanos não são atendidos,
se os novos caminhos políticos permanecem fechados,
se os novos movimentos sociais não se desenvolvem totalmente,
então, tais movimentos
- utopias reativas que tentarão iluminar o caminho a que não tinham acesso –
retornarão, mas dessa vez, como sombras urbanas,
ávidas por destruir as muralhas cerradas de sua nação cativa”.
(in EU, PESCADOR DE ILUSÕES, 2006, Ed. Lulu Press)
A QUIMERA DA REPETIÇÃO
© by João Batista do Lago
... e de repente de novo o povo é convocado para uma nova quimera
... e de repente de novo o povo atende ao apelo mesmamente
estamos diante de uma nova eleição
parece festa de São João
os brincantes meus-bois-bumbás
não percebem que se encontram curralados
nos arraiais da nação
que seus amos estão sempre-alertas
para lhes arrancar a língua
e servir com o pirão da inconsciência
o farto manjar na mesa da dominação
não basta devorar a consciência da população para ser um bom ladrão...
é preciso mais que isso
é preciso comer a palavra da reação
(mesmo que esta reação
seja instintiva
não pensada
imemoriada
não-reativa)
não permitir que o boi entenda que no interior da sua força carrega tanta e tamanha libertação...
é preciso dissuadir
enganar é preciso
votar não é preciso não... com precisão
renovar a dentadura do Mimoso
é preciso
ajuda ruminar o chibé
(pirão feito com água, farinha de mandioca e açúcar ou mel
e por vezes temperado com cachaça e também com pimentão)
dar novos olhos ao Caprichoso
é preciso
ajuda a enxergar a inação da nação
falsa consciência do democrático
campo real da alienação
... e de repente de novo o povo é convocado para uma nova quimera
... e de repente de novo o povo atende ao apelo mesmamente
e lá se vai o boi
inconsciente
para o matadouro:
manso
tranquilo
calmo
alienado...
sem língua
com dentadura
sem visão
com óculos
feito povo marcado
feito gente desprezada
depositar na urna
o voto da esperança perdida
amanhã...
quem sabe o amanhã
... e de repente de novo o povo é convocado para uma nova quimera
... e de repente de novo o povo atende ao apelo mesmamente
Chamamento [DE João Batista do Lago]
Chamamento
(Poemeto para uma deusa)
© DE João Batista do Lago
Se tu me disseres um dia:
“- Vem.”
Eu irei rapidinho (e)
De mansinho me acomodarei no teu colo.
Ficarei calado.
Não direi uma palavra. Uma sequer!
Serei inerte
Para poder ouvir (e)
Sentir as vibrações que emanam do teu corpo (e)
Ouvir as vozes silenciosas que nascem de dentro de ti dizendo em ritmo frenético:
“- Vem. Desta vez ninguém há de nos separar. Desta vez estou pronta... pronta... pronta para te amar.”
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Porto Alegre/1989
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