Esta Mulher
João Batista do Lago
Vejo hoje esta mulher
(ou seria apenas uma semimulher?)
de tantas lutas, de tanta força
consumida e consumindo-se nos dias do dia-a-dia
vê-se nela
a ausência
da carente
alegria
não-presente!
O tempo maldito no espaço da vida
- há tempo – que lha toma o tempo sem pena de morrê-la...
Cadê os brilhos dos seus olhos?
Para onde foi sua juventude?
E aquela garra que só ela dispunha?
E a palavra forte
(mas justa)
da hora do castigo?
Onde está o beijo da noite que me acomodava na rede em balanço?:
Boi... boi... boi...
boi da cara preta
pega esta criança
que tem medo
de careta.
Lembro daquela mulher ainda orgulhosa
dos seus feitos diários:
ao amanhecer o serviço do café
durante a manhã a tarefa leva à casa limpa,
ao fogão e ao almoço das 13 horas
quando a presença do marido já se fazia presente.
A sesta era curta
e logo ela tornava ao trabalho ainda hoje
não remunerado... não reconhecido;
muitas vezes criticado
(e quantas e tantas vezes criticado!)
mais fogão, tanque de lavar, ferro de passar e o “banho das crianças”...
Assim era aquela mulher que hoje vejo
semiprostrada
sentada à cama
mendigando uma mão
para levantar-se
já sem forças
e combalida
esperando a morte chegar
como sina desta triste vida
que não lha deu oportunidade
que não fora a da procriação
Esta mulher hoje chama atenção pela sua contrição não devida
mas, e ainda assim, por vezes, tomo-a pedindo perdão com um terço à mão:
“onde foi que eu errei?”...
reza por mim e por meus irmãos
pelo Pedro não-presente
(quanta e tanta falta deste ausente!)
percebo no seu balbuciar silente
nas noites que se findam em cada si morrer
a necessidade do amor carente
que se eternizou
virou mito e
transmutou-se em fetiche
sem a consciência do amuleto
E nada posso fazer nesta minha impotência!
Sinto que cada dia do dia-a-dia de d. Júlia
é o pouco do muito que me resta
e por mais paradoxal que pareça
tenho que fazer disto uma festa
um estudo de caso
um laboratório
um consultório para minha loucura
um hospício para a minha cura
no fazer da brochura
apenas um poema de saudades antecipadas.
sexta-feira, 11 de maio de 2007
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