SHABBATH
© DE João Batista do Lago
Porque hoje é sábado
Resolvi fazer uma limpeza e
Promover a ordem no
Caos do meu quarto
– minha concha! –
É lá o meu templo sagrado
A sacristia das minhas angústias
Residência dos meus devaneios
É lá o meu canto de intimidades
Onde moram meus armários
Cofres das minhas veleidades
E assim procedi
Pouco a pouco fui fazendo a faxina
E lentamente o quarto foi-me de novo sorrindo
Deixei que o Sol entrasse pela janela
Que banhasse com raios de luz
Toda imensidão da concha que me habita
Que me segreda como pérola
Mas que me oferta ao mundo
Como hóstia
Como oblação
Aos deuses que me crucificam
Após o Evangelho das
Sagradas escrituras dos mercados
Pouco a pouco o quarto foi se transformando
Pendurando em cada cruz minhas identidades
Então reféns das liberdades do movimento dos meus pensamentos
Antes libertinos e soltos e puros...
Foi então que ela apareceu
Estava ali parada à porta...
Inerte como o Juízo Final
Olhava-me com fixação nitrogenada
Fazendo-me crer que eu era sua obra prima
Na intuição do instante da sua criação mais-que-perfeita
Fazendo com que meu corpo assimilasse sua angústia
Ali estava ela parada... Estagnada mesmo
Sem uma palavra
Apenas com o olhar fixo duma pedinte
Que de tanta fome
De tanta sede
De tanta dor
De tanta angústia
Não mais tinha forças sequer para mendigar
Ali estava ela inerte como o Juízo Final
Resolvi então dela aproximar-me
Foi aí que percebi que ela estava perneta
E como quem sente vergonha de não ser completo
Baixou a cabeça e chorou...
Chorou o choro mais profundo que me correu entre as veias
Chorou o choro do prenúncio da morte
Chorou o cântico das súplicas
Duma súplica pela vida
Como quem sabia que sua etapa ainda não podia findar
Ajoelhei-me diante de tanta resignação
Diante de tanta e quanta submissão paciente aos sofrimentos da vida...
Foi aí que ela me falou sem dizer uma palavra:
“toma-me em tuas mãos e me levas ao alpendre da tua morada;
lá serei salva pelas flores e rosas e plantas;
lá serei parte da natureza;
e mesmo que morra e mesmo que desapareça
serei entre flores e rosas e plantas
a conjunção perfeita de toda sabedoria”
Tomei-a às mãos e a conduzi até o alpendre
Ela está salva
Ela está viva
Hoje posso dizer:
Do caos do meu quarto dei vida a uma Esperança