sexta-feira, 27 de março de 2009

SEGREDOS

SEGREDOS



© DE João Batista do Lago



Eu tenho tantos segredos!
Tantos... tantos que dão medos
De confessar.


Os segredos são armas secretas
Que o bicho homem desenvolveu
Durante a evolução da espécie
São ao mesmo tempo
A chave e a porta
Para o céu e para o inferno


Hora são tão bons e santos
Noutras tantas... maus e demoníacos


Eu tenho tantos segredos
Que não lhes posso contar:
Uns são libertadores
Outros são de acorrentar


Contudo dentre os muitos segredos
Um há que resolvi delatar
Não tenho como mais guardá-lo
Na seara do meu corpo
Nem na seara da minha alma
Nem na seara do meu espírito
Pois ele está explodindo de paixão
Ele impõe-se revelar


Aceito a condenação
Após esta minha delação
Mas este meu segredo
Não posso mais guardar
Aceito a condenação
Sem medo do degredo
Que isto pode me causar:
A pena da expulsão secular


Mas a todos devo dizer
Sou escravo desta paixão
Rendido estou aos seus pés
Diante do altar dos infiéis
Sacerdotes da ilibação
Sou teu servo, Ó Justiça,
Rainha da minha devoção

sexta-feira, 20 de março de 2009

CÂNTICOS VISCERAIS [livro depoesia de João Batista do Lago]

CÂNTIDOS VISCERAIS, do poeta maranhense de Itapecurumirim, estará disponível para venda a partir do próximo mês de abril. Os interessados em adquirir um exemplar devem fazer o pedido por meio do e-mail.
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Cânticos Viscerais é o terceiro livro de João Batista do Lago que, acertadamente, em suas próprias palavras o define como seu “ponto ideal”. Não se trata de mais um livro de poe-sias; são poesias de um novo espírito poético, poesias que se esteiam na polêmica DA ra-zão... ou das razões. São arguições profundas que se ultrapassam num devir poético.

Simpatizante das concepções bachelardianas, João Batista sente ser necessário adentrar OS caminhos de uma poética que recorde à razão sua função agressiva, turbulenta, em que se multiplicam as “ocasiões de pensar”. Esta razão necessariamente há de ser polêmica, há de provocar, de desancorar do local onde naufragou – este, já agora, inútil destroço.

Há uma tensão dinâmica, fluida, e não uma cisão entre a poética de João e seu pensar ra-cional sobre o real. Para além de uma inserção advém uma complementariedade; há um poeta no racional extraindo insights, compreensões retiradas a fórceps, dores “viscerais” por trás DA persona alegre...

Trata-se aqui de uma construção que desfragmenta, fractaliza e se recria a partir de blo-cos de uma linguagem assimétrica: a obra? Estética harmoniosa, cromática, ferina de pa-lavras-sílex, suaves, e fertilizadas flores beijadas por beija-flores...

A crise inserta na Pós-Modernidade (leia-se aqui a ruptura DA legitimidade das meta-narrativas) gerou um mal-estar na confiabilidade, na credibilidade dos grandes discursos. João não consegue esconder esse mal-estar e, para além disso, revela-o pela – metafori-camente – face mareada, pré-emética, deixando-se ver sinal e sintoma.

A dor em João é-lhe tão “visceral”, que por vezes beira a impotência de um moribundo. Quais as dores que o exasperam? São as dores do (Des)conhecimento e mesmo do conhe-cimento, as dores DA inconformação frente às ideologias que espalham subserviência e misérias, as dores que se mimetizam em prazeres, que se escondem por trás das máscaras assépticas, as dores DA inocência perdida, do abuso criminoso, DA inocência de is; as dores de abortos covardes das utopias felizes; de caminhar solitário num mar de dores anestesiadas.

Com uma pitada de Bachelard, diria que João vê o estrume, mas também vê a flor! E de ambos aspira-lhes a essência do perfume... mesmo que fatal. Aspira convicto, consciente do mal que pode evolar DA flor ou do bem que pode estar mimetizado no estrume. Porque o João se debruça sobre ambos – independente, objetivo e total no seu conhecer, na sua contemplação. E, por isso, apreende no instante... e retifica a apreensão – dolorido – no próximo apreender...

A apreensão causa dor. A noção de dor em João, como já foi dito, é dilacerante: do fundo de suas entranhas, no estranho ventre algo chegou a termo! O concepto, pronto para vir à luz, tem de rasgar-lhe por dentro e não é possível adiar... Há dor no concepto e no parturi-ente. O pósparto exige recuperação; o recém NATO, adaptação. É João a sentir a ferida de is a doer, a dor dos feridos todos, a dor de ser e de existir consciente, a dor DA incons-ciência no outro de que lhe crescem feridas...

Por que o “visceral”? Porque a dura palavra coaduna-se com o real; é-lhe velha irmã, conhecida, companheira do dia a dia. Porque a estética virtuosa já carece de sentido, já não mais perturba a desvirtuose em que estamos imersos; já não é mais capaz de perfumar o que se apresenta pútrido na ausência de virtude das cidades, dos países, dos escravos felizes de senhores vis.

João, voyeur de is, artífice de metáforas como pendular meta-fora de si, delator nobre do injusto/covarde/leviatânico grande outro... Seu escancaramento de si e do real, apesar do que lhe causa, tão bem expresso nas suas viscerais palavras, não lhe é obstáculo, não lhe convida a participar do banquete dos acomodados. São, antes, “pontos vélicos” bergsoni-anos a lhe impulsionar a busca.

João Batista evidencia nas contradições, nas antíteses tão bem insertas, a dualidade mal encoberta que se revela à análise crítica – do olho que quer ver. Assim, enriquece seus gritos-denúncia contra uma exploração de ideologias e dogmas, deixando a descoberto o amontoado de inúteis discursos desumanizados, desarraigados...

Há no poeta uma inquietação tanto com a tentativa de reencontro de sua dimensão univer-sal, quanto com a miserável condição humana que se esconde nos becos das cidades, ou que escoa a céu aberto, onde caminham outros homens-cidades humanos poluídos de ex-ploração homo homini lupus na alcatéia de um “deus mercado”...

Nosso poeta, de tímpanos feridos, mostra o grito calado, ouvido dentro de si que é abafado pelo ensurdecedor ruído uníssono de caducos filosofares, que deixa proscritos os quereres, que torna impossível os pensares...

Lembra-me ele um rebelde aluno em casarões-escolas mofados a distrair a atenção para o principal – que não é ensinado; bêbado feliz que faz escárnio da abstinência alheia: ora sem bandeira de si, ora fractal bandeira de todas as cores... Tal qual o pintor que se utiliza das cores na criação de suas obras, João Batista vai customizando, ao buscar novos mati-zes, dentre os espectros visíveis do real; vai decompondo fractais sintonizado na frequên-cia espectral de tons monocromáticos; vai tingindo os degradês de braços, pernas e pés explorados com cores carregadas – irônicas, sarcásticas linhas poéticas viscerais...

Essa visceralização ocorre no instante instintual, onde o experienciar converte-se em im-pressão-explosão poética. Há um grito em João Batista do Lago que o ensurdece e berra para a Ágora sonolenta; um grito que quer que seja pública, não rês, bovina resignação de homens tangidos por uma sorte não pressentida. Falo de um João que se insurge primeiro dentro de si e, aos poucos, transborda para o outro que também carrega em si. Assim como quer a este outro desperto, desperta atônito de seu próprio despertar.

Na sua orfandade de origens é um homem distanciado de si, na miserabilidade de se con-templar em uma vida que é um reflexo de sua condição atual, numa época desarraigada, inconsciente, repetidora (de iguais!)

Ao carregar nos ombros seu próprio sofrimento de ser dor e de ver as dores do mundo, imola-se em cada verso que destrincha com os talheres baratos e descartáveis que lhe são oferecidos tão “gentilmente”. Cada palavra que liberta, cada frase que solta das brancas e suadas páginas é um pedido sempre último de que se nidifique fertilizado em úteros-mentes que gestarão versos vivos. E, pelo amor de Deus, ou dos deuses, que não se aborte a Poe-sia!

É visceral a dor da certeza de que é humana a mão (de carne e ossos que irão apodrecer); que, à semelhança do conto da árvore a reconhecer ser de madeira o cabo do machado que lhe abaterá, também são humanas as mãos que distribuem a fome, os sermões que ex-comungam, que expõem mãos diferentes em circos de horrores modernos... E por isso, a fumaça dos turíbulos já não sobe aos céus: seus ductos e ictos apenas conduzem às pro-fundezas torpes do ser (des)humano. Há um lobo no altar da ovelha; há filhotes de lobos a beijar ovelhas...

“Poeta maldito”, herege a blasfemar contra seu alienofágico “deus mercado”... Bendito rebelde que incita, concita seus pares, excita-se com o sonho de se acabarem os matadou-ros onde se prepara o banquete de duras carnes humanas. É dilacerante a dor que calcina os ossos, a dor de se sentir brasa viva de si, a dor nos ouvidos onde ecoa o tropéu dos cas-cos a espezinhar as dignidades, onde se escuta centauros chicoteando os direitos...

O sujeito da poética de João é um João cognoscente, ávido e árido de si; é um João que se oferece sacrificialmente, que faz libações ao sensório cru – e nu – de seu próprio experien-ciar... irrepetível conhecimento. João oferece o que não é de se oferecer; se angustia por oferecer o que, neste carecer do ofertar, não será compreendido, será mesmo até inconve-niente: será um choque visceral... algo, por certo, a ser evitado...

A poesia lá está, às vezes, pregada no âmago da cruz-poeta; quando ele a desprende, há a sensação de um chute “na boca do estômago”, há uma dor visceral, que parte das entra-nhas da cruz e perpassa – dolorida e pulsante – pelas veias do real. E o que é este real? É o instante no homem que jaz liberto na cruz... Do alto de seu madeiro, não se queda - a-lheio e surdo – aos choros: vê tanto a funcionalidade deste como o despropósito de chorar. Do alto de sua cruz implora a morte: que a todos iguala, que revela e retira as algemas da verdade, tão insistentemente escondida no viver; a morte que é símbolo do fim da procras-tinação da procura, da morte dos regimes, sistemas, filosofias, dogmas, ideologias, procu-ras de João... Jaz na cruz um João, pássaro na mira do caçador de si...

É o nosso poeta um buscador de si. Na busca de seu perfil esbarra nos obstáculos – seus perfis escondidos. É, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do conhecimento de si e por isso, inevitáveis são o conflito e a dor oriundos do próprio ato de conhecer. No enfrentamento de seus obstáculos, de certa forma, sentimento de caos, supera-se avançando para outro caos. Ao mesmo tempo que retifica seus perfis, alarga sua via crucis e segue na “intensi-dade de presença” de um novo João.

Sua poética, qual bisturi a lhe cortar o corpus, desfolha-lhe as camadas, textos de si mes-mo, expondo-lhe à luz do dia os nervos-análise que se permitiu dissecar. A cortar-lhe: um insensível bisturi; a ser cortado: já um meta-corpus. Na alcova fértil de seu “quarto”, seus frios/quentes suores são rimas, por vezes ásperas; ei-las avesso do cetim, doloridos chutes que a esperança lhe dá do âmago de seu ventre grávido. A poesia aqui é um pensamento que se aventura, uma aventura que se pensou. Dinâmica e intuída, insights de si, direcio-na-se redirecionando, compreende-se além de si. Em sua alcova, João biparte-se, reformu-la seus signos: há significado e significados, há mais nulos significantes... João decifra-se e devora-se...

A vertente “noturna” de João revela-se na poesia que, ora o faz precipitar-se nos abismos, ora o leva a despencar, ele mesmo, impelido e seduzido pelo abismo de sua (in)compreensão. O lado “noturno” ri-se do lado “diurno” de João e o provoca no leito de seu “quarto”... E as palavras, situações, estupefações, ao passarem pelo crivo de um João racional, amalgamam-se no instante – amante – capturado e traduzem-se no verso em go-zo...

Caminhante – dos irmãos, o caçula de Dante -, o poeta vai tropeçando sobre si, por entre as ruínas de suas construções mentais, coletando as cinzas-amostras, material de estudo em seu laboratório de cientista-poeta.

Já de outras vezes, João navega turbulento, singrando os mares cheios dos monstros dos erros e ilusões. Açoitam-lhe os ventos da linguagem que, racionalmente tenta usar, fusti-gam-lhe as tempestades de incoerência... mas continua a proteger a bússola sonhando com o farol (gedankens) que, intui, está a se ocultar por trás do vagalhão de suas ancestrais paixões... Por vezes a vontade louca de se lançar ao mar, de se oferecer ao altar de Netuno como um lobo a se redimir perante a ovelha cobiçada outrora: seu intuito é o de libertar rebanhos.

A tentativa de descontrução na palavra da dor embutida nas guerras, nas misérias cotidia-nas coloca na face do poeta um olhar que irrompe da noite, ao modo do Sol, e escancara à luz (razão) do dia as mazelas, a podridão mal encoberta, o fétido cheiro que já não mais incomoda, pois os olfatos já se acostumaram e as máscaras também fedem...

Uma preocupação assola a alma: será possível ser a si mesmo se há moldes em todo lu-gar? Na família, na escola, na igreja, no trabalho, na sociedade? Será que tudo já foi dito, será possível a desalienação, libertar-se do jugo ideologizante e ideologizado?

E surge, por vezes, o medo de abrir “as gavetas do Eu”, o medo de se ver desnudo, sem máscaras frente a si mesmo; o medo do confronto consigo mesmo, das fragilidades visce-ralmente expostas... É um medo que queima e enregela qual arrepio de alma...

Os olhos – janelas d’alma – refletem tanto a visão de si, interno-olhar, quanto releituras, (re)visões do que se apresenta ao olhar. Se leitura hoje, re-leitura amanhã e, para além do amanhã, leituras outras existirão... Quais olhares surgirão? Existirão olhares? Será pura e vã inquietação?... Existem as leituras dos vencedores; as esquecidas estórias dos vencidos; há espaços reais aos seus tempos; há verdades forjadas, mentiras transmutadas em verda-de única; há vidas ceifadas cheias de verdades amordaçadas... De onde o direito de espa-lhar o ódio que contamina os inocentes, os civis que ainda não estão na guerra?

Por ser um buscador, o poeta recorda-se do realismo ingênuo, subjetivo e egocêntrico e passa lépido por um empirismo “claro”, qualitativo e quantitativo de si. Do racionalismo tradicional extrai-se como noção de um João relativo inserto num paradigma racional e, refeito de si, pulando as pedras limosas da razão, ainda meio zonzo já escorrega em seus referenciais e se estatela na grande pedra... surracionalmente feliz. Já agora é um João simultâneo a se olhar; não mais absoluto, nem relativo. Compõe-se (ou fragmenta-se?) a partir do dual na dimensão quadridimensional do espaço-tempo.

Seduz-lhe a pedra, por ora. E maravilha-se, angustia-se, devaneia, filosofa oniricamente na poesia! Sente-se arquetípico, pressente um meta-João a ferir-lhe as entranhas feitas de todos os “Joões”. A taça não transbordou. Saboreia-se pressentindo a dor da cicuta que ingere e, digere - antropofágico – cada um de seus pedaços, enquanto o “dia” não vem. João sonha desperto (devaneia) enquanto é tecida a “noite” em que cabem seus versos, mas, serve-se destes para antever o pesadelo do diurno sonhar... A cada nova poesia: a experiência do instante, do tapa do real na ilusão, do novo e do velho, do profundo que diz Não ao Sim da razão. E o poeta se alarga, se retifica dolorido, “visceral” eternum retorno e perda de si, lato e strictu sensu João... Ah, João, já a pensar em outras pedras ou está a pedra a golpear por Amor?

São feitas nesta poética várias alusões aos quatro elementos: água, ar, fogo, terra. Podem ser escritos tratados (e já foram) sobre a simbologia oculta nesses elementos alquímicos, elementos de criação, elementos poéticos. Mas, num recorte, que nos interessa aqui, cabe atentar para a decomposição que o poeta faz criando desses símbolos metáforas de metá-foras.

Assim, na busca do ouro alquímico de seu próprio ser e de sua consciência no real, o fogo tanto pode servir-se de seu papel de nilificador (uma espécie de redução a cinzas), quanto de purificador (uma espécie de lapidação das imperfeições). Poderá ser símbolo de paixão, do íntimo, do instintual que queima, de corporificação do desejo que consome. Há, porém, um sentido maior, não excludente dos demais, o de transcendência: o fogo, ao consumir matéria (e, aqui também, espírito) dialetiza o sujeito e o objeto João, purifica-o e lapida-o em suas arestas antagônicas... e que dor inevitável, que luz que cega!

Já da Água nos vem à mente a noção de fluidez, de uma poesia que é afluente (deságua e compõe rios), que João faz fluidicamente, como fecundante rio a fertilizar margens. Mas na água se lavam também os pecados originais, nela nasce o novo homem... Ecce homo...; dela bebe-se iniciaticamente a “Verdade” que sustenta. Águas há assassinas, violentas, profundas nas quais submergem homens que convivem com as águas primaveris e claras em que se banham despreocupados os jovens corpus amantes. Já aqui, em meio às águas, João até pensa irônico no peixe-poeta, crístico símbolo a se deixar pescar, pois que peixes e água são partes de um todo só...

Do Ar, capta-lhe, em seu movimento ascensional, a dupla face da queda e do vôo. Sobe assim, pleno em devoção, buscando o elevado Olimpo no qual fará uma oblação de si. Há vestígios arqueológicos de deuses no Olimpo? E como se livrar das impurezas que o alça-ram lá?

Já agora é a Terra, pois, a lhe avisar de suas raízes, do repouso e do ventre que lhe germi-na e sepulta. É a terra a lhe fazer brotar uma nostalgia do vivido e do que poderia ser... Saudade menina de um menino João... um bem querer de Pátria amada, de uma amada distante no tempo, de chão natal amado, inocente pandoravelmente a espiar... E assim as antíteses diurno/noturno (racional/onírico) amam-se despudoradas e inocentes no universo alquímico de João...

Penso (será que realmente existo no meu pensar?) agora (serei mais uma na Ágora sono-lenta?), por fim, na impressão que me fica após a leitura deste livro. Pareceu-me que o poeta envia aos seus leitores a seguinte mensagem: - “É preciso re-aprender a capacidade de se espantar; é urgente adentrar, pela iniciação poética, o umbral do conhecimento; é imperioso o despertar consciente e atuante diante do que é dado, do que é imposto, levan-tar o véu da essência que a aparência encobre. É necessário também sentir que há sangue tanto nas próprias veias quanto na história da humanização; é urgente também re-descobrir-se numa re-inserção. Porque é um desrespeito valer-se da poesia de uma forma vil... é proibido alienar-se a poesia!”

Obrigada pelos mergulhos no abismo, por dar voz aos gritos tão nossos, pela denúncia (porém atente: Si no pacem para bellum... se queres a Paz, prepara-te para a guerra!), pelo fogo, pela água... e pelo ar e pela terra... Obrigada pelo ocaso-interregno; pelas pri-maveras que estão contidas nas geleiras... Obrigada, mais que simplesmente, visceralmen-te... Lembrei-me de um trecho de um imortal, nosso poeta Carlos Drummond de Andrade, de sua magnífica poesia intitulada Procura da poesia; dizia ele: - “Chega mais perto e contempla as palavras./ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/ pobre ou terrível que lhe deres:/ Trouxeste a chave?” Creio que João Batista do Lago a tem...

Alpha Leninha (http://alfaleninha.spaces.live.com)

quarta-feira, 18 de março de 2009

OUTONO DE PRIMAVERAS

OUTONO DE PRIMAVERAS

© DE João Batista do Lago

Precipita-se-me a transição
Meu corpo – casas de alma e espírito –
Acomoda-se no vazio do espaço
Para receber todo ouro
Que reluz das tuas cores

És uma outra primavera
Carregada de outonais folhas
Que se transformam em flores!

É deste movimento eterno
Que me seduz desde o céu até o inferno
Que aprendo que a morte é o nascimento
Que a vida é como nuven de outono
Dura o tempo da dança dum balé magistral
É como o brilhar do relâmpago no éter
Rasgando trevas infinitais de angústias
Desfolhando no espelho das águas
Luas que refletem nas relvas
Todas as faces do novo ente...

Sucedes meu calor de dores infernais
Antecedes meus céus de neves...

Vês!
És assim a transição de mim
Dum morrer-se para um nascer-se
Num movimento fugaz dum tempo eterno
Que não se concluirá num qualquer céu
Ou num qualquer inferno...

A existência é muito mais que a morte
Muito mais que vida ela é
E desde o céu até o inferno
Migra de estação para estação
Plantando flores de ouro
Florindo de pétalas amarelas todos os caminhos
Fazendo renascer de cada lavoura
Todos os outonos de primaveras
__________
Poema dedicado a Vera Lúcia Carmona (Portugal)

terça-feira, 17 de março de 2009

POEMA PARA RUANDA (ou Holocausto Posmoderno)

POEMA PARA RUANDA*

(ou Holocausto Posmoderno)

 

© DE João Batista do Lago

 

“Nós nos veremos novamente no céu”

Zunia nos ouvidos incrédulos da colina

A voz troante dum coro vibrante

Cantando vitimas dum genocídio

Esquecido pelos senhores donos do mundo

Diante dum memorial de vítimas

 

Do alto da colina homens e mulheres de pés descalços

– indiferentes à dor e ao sofrimento e atônitos –

Assistem ao desfilar de máquinas reluzentes

Parindo deuses negros como ébanos

Todos filhos da África-mãe dolente

Agora quase sem forças para salvar os filhos seus

 

- Não compreendestes, ó filhos meus,

filhos das minhas savanas sagradas:

miserável e condenada será por toda eternidade

a maldita nação que desgraça e mata

sem dó nem piedade todos os irmãos seus

pensando fazer justiça aos olhos de Deus

 

A chama que arde sobre o memorial dos mortos

Clama pela Paz diante de tutsis e hutus de pés descalços;

Chora pelo afeto e pelo carinho e pela solidariedade nunca alcançados

Grita pela liberdade capaz ungir almas e espíritos e corpos

Ora pelo raiar dum sol de esperança mútua

Canta e dança pela juventude duma esperança vírtua

 

Amendrontados os olhares do alto da colina

Todos de pés descalços – tutsis e hutus

Pensam numa só ladainha de esperança:

“O genocídio foi algo brutal... criminoso e nojento!

100 dias foram o bastante nessa luta fatal

para matar 800 mil diante da passividade internacional”

 

Não!

Nós NÃO nos veremos novamente no céu!

- suplicam os corações do alto da colina –

Nossa sina é a dignidade e a virtude entre irmãos

Que restará preservada nesse memorial da imolação



* Escrevi este poema em 2004, data em que se comemorou o 10º do “Genocídio de Ruanda”

sábado, 14 de março de 2009

SONETO DA ESTAÇÃO

SONETO DA ESTAÇÃO

© DE João Batista do Lago

O verão está-se esfumando

Chegando ao fim... Ao ocaso

Regra da Natureza-mãe – não por acaso!

Implacável vai determinando

O fim de mais um ciclo vital

Mostrando a toda gente a recriação

Insistindo no cântico da renovação

Revelando a Natureza como animal

A morte é um fenômeno natural

Dela nada escapa; por isso é genial

Seu encanto fatal é a única certeza

Nada há que resista a tanta beleza

A morte mata a vida da natureza...

Mas quando si morre renasce a beleza

terça-feira, 10 de março de 2009

AUTOIMOLAÇÃO

AUTOIMOLAÇÃO

© DE João Batista do Lago

No Cais da Sagração

Ajoelho-me diante dos peixes...

Minha saudade

Dou-a como isca.

Não para ser pescado

Mas para me afogar

Nas águas dum rio anil

De eternos encontros

Feitos de desencontros vadios

Nadificados nas ondas

De mares incolores

O cheiro do mangue reside

Na minha toca de caranguejo

Cansado da carapaça que

Recobre o crustáceo

Num balé solitário que

Passa-não-passa... passa-não-passa...

Entre corações-detrito de animais humanos

Se me há a cruz por sacrifício

Que me crucifiquem

Diante dos peixes

Do Cais da Sagração

Lá minha imolação

Não se dará perdida

Lá me darei como peixe a toda nova vida

PROFANO

PROFANO

© DE João Batista do Lago

Dobram os sinos das seis

É mais um dia que do tempo morre

Enterrando a insensatez:

O cemitério humano

Prenhe de vermes

Ressuscitará no amanhã – talvez ! –

A angústia primeira de

Crer-se sagrado na

Profana carne do

Miserável ser de incertezas vãs

sábado, 7 de março de 2009

ANTIPOEMA

ANTIPOEMA

© DE João Batista do Lago

Queria escrever um poema

Mas não há lírica no estupro

Nem estética na criança estuprada

Nem forma na excomunhão

A insensatez está exumada

No espírito patológico do ser

O verso

Não comporta

O mar

De corrupção