Brilhante esta análise de João Batista Gomes do Lago, ilustre poeta, jornalista e cronista maranhense, na qual se mostra inconformado com a simples retransmissão, repetição ipsis literis das palavras do ministro do Supremo Tribunal Ayres de Britto, sem que tenha havido uma digestão de suas palavras.
“Incompetência, indiferença e omissão” não multiplicam, fecundam pensamentos. Como podem os “atores-sujeitos” aos quais se referiu João Batista lerem nas entrelinhas, ressignificarem a frase do Sr. Ministro se lhes falta o conteúdo individual e social de uma paidéia, se a formação dos cidadãos é relegada a segundo plano nas três esferas? Não é de se admirar que faltem argumentos para um comentário crítico, fecundo, multiplicador…
Platão definiu Paidéia como “a essência de toda a verdadeira educação(…), é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”.
O que é muito interessante na leitura que João fez das palavras do ministro é a referência a um dos Diálogos de Platão (A República). O juiz, de seu alto posto, ao propor a Poesia, socratiza Platão ao incitar que governem juntos os “poetas” e os “sábios” (para Platão os poetas deveriam ser mantidos à parte do governo, pois como loucos, não se prestavam a tão grande responsabilidade). Ao lado “estável” e inalcançável das idéias platônicas, Ayres propõe a fluidez e o intercâmbio de um Heráclito, quase uma maiêutica a interrogar o status do juiz. Diz para um Platão teórico que ao mais sábio, à Sabedoria deve-se unir a Beleza, a sensibilidade para que se persiga o ideal da Justiça; para que se diga o Direito (a palavra juiz vem do latim iudex, aquele que julga e deriva de ius, direito e dicere, dizer) é urgente e condição necessária a inserção no contexto social, real de cada postulante.
O ministro Ayres, um humanista, é um ardoroso defensor de um pensar dialético da realidade do direito, da prestação jurisdicional justa, imparcial, consciente e célere. São suas as palavras “Não sou ácaro de processo, sou um ser de vida. Abro a janela do Direito para a vida”.
Consciente do papel dos magistrados, da responsabilidade de um bem julgar pessoal e instransferível, da responsabilidade embutida em cada sentença, Ayres vê na jurisprudência um instrumento de reforma sócio-jurídica, donde sua preocupação com a formação dos jovens juízes.
Propõe-lhes que, paralelamente à formação acadêmica, cultivem a sensibilidade (Poesia), ilustrem-se e sonhem também com textos não jurídicos (Romances), mergulhem nas mazelas sociais e conheçam a sociedade (Jornais), tenham consciência do seu papel de significantes - “não vazios” -, como bem disse João (o signo linguístico juiz compõe-se de um significado -um conceito - e um significante - uma imagem acústica ou gráfica).
Em perfeita sintonia com o pensar de Ayres, João propõe, como se o magistrado a falar, que a “superioridade” do pensar “poético” não deve estar associada ao status social ou à arrogância, prepotência demiúrgica dos que se acreditam donos do Direito, ao dizê-lo. É indispensável que a superioridade advenha da formação paidética, essa a única a conceder a licença a ele outorgada pela convicção, pela constatação dos seus pares…
João Batista termina sua análise das palavras do ministro com uma poesia…e que poesia…Como é difícil analisar o pensamento complexo de João! São-nos permitidos apenas alguns recortes devido à profundidade dos termos que insere. Pareceu-me que, nesta poesia, ele colocou no seu cadinho de idéias seu lado filósofo, cercado da mitologia e arquétipos gregos, para expor um profundo desencantamento, uma frustração com aqueles que alçou ao status de deuses…Desce-os do pedestal e ensimesmado, pergunta-se porque os colocou lá…
Tal como os gregos antigos, quando em suas viagens marítimas se aperceberam de que seus seres mitológicos nem existiam, nem habitaram os locais que imaginavam, o poeta João sente que seus “deuses”, por trás da persona, são homens…e se desencanta com eles, por tê-los elevado ao cume do Olimpo que, visto de perto não carrega vestígios arqueológicos de deus nenhum…
O poeta João se apercebe de sua responsabilidade na criação de um deus, um mito perfeito - e por isso, digladiam-se os deuses, cópias humanas de sua imperfeição. Carregam-lhe os traços de imperfeição que seu Criador possui…
O criador de um deus deve alimentá-lo com o alimento que o torna perfeito e esse, o João não tem para ofertar, pois que humano é…Daí, sua angústia em descobrir-se de “espada em riste” a defender abstrações de um nada…
Ao mesmo tempo, o poeta renega esses deuses tão lhe assemelhados que convivem no seu âmago, encarcera-os em seu subconsciente como para lembrar-se do “lado sombra” de si mesmo…E, mais uma vez, como analista de si mesmo, tenta entendê-los e vencê-los com o golpe da razão, e espalha dúvidas ao seu poder com as sementes (diálogos) que planta em si e no outro (o campo seminal).
Termina magistralmente, qual juiz, a comparar a angústia de olhar seus mitos (leia-se dirigentes, governo, homens que mitificamos) ao suplício de Prometeu . Tal qual este,”roubou” dos deuses o “fogo” do discernimento e, viu-lhes o segredo que estava em si mesmo! Por isso, sofre por co-responsabilidade. Mas agora, sacrílego consciente, Édipo às avessas, apodera-se da esperança que guarda Pandora e, é nela que antevê uma promessa de organização. Afinal, na amorficidade do Caos (leia-se na confusão das idéias, na arguição, nos porquês, na crítica, no cair de vendas) está implícita a característica fecundante, criadora…
Como em toda poesia, é impossível interpretar completamente, dissecar o pensamento do poeta. Mesmo este, ao relê-la, nela verá novas nuances que não tinha se apercebido. Esta é uma característica das poesias e dos poetas - serem humanos numa hora e deuses noutra…Para se compreendê-los é preciso ser o mesmo…Sou apenas humana…
“Incompetência, indiferença e omissão” não multiplicam, fecundam pensamentos. Como podem os “atores-sujeitos” aos quais se referiu João Batista lerem nas entrelinhas, ressignificarem a frase do Sr. Ministro se lhes falta o conteúdo individual e social de uma paidéia, se a formação dos cidadãos é relegada a segundo plano nas três esferas? Não é de se admirar que faltem argumentos para um comentário crítico, fecundo, multiplicador…
Platão definiu Paidéia como “a essência de toda a verdadeira educação(…), é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”.
O que é muito interessante na leitura que João fez das palavras do ministro é a referência a um dos Diálogos de Platão (A República). O juiz, de seu alto posto, ao propor a Poesia, socratiza Platão ao incitar que governem juntos os “poetas” e os “sábios” (para Platão os poetas deveriam ser mantidos à parte do governo, pois como loucos, não se prestavam a tão grande responsabilidade). Ao lado “estável” e inalcançável das idéias platônicas, Ayres propõe a fluidez e o intercâmbio de um Heráclito, quase uma maiêutica a interrogar o status do juiz. Diz para um Platão teórico que ao mais sábio, à Sabedoria deve-se unir a Beleza, a sensibilidade para que se persiga o ideal da Justiça; para que se diga o Direito (a palavra juiz vem do latim iudex, aquele que julga e deriva de ius, direito e dicere, dizer) é urgente e condição necessária a inserção no contexto social, real de cada postulante.
O ministro Ayres, um humanista, é um ardoroso defensor de um pensar dialético da realidade do direito, da prestação jurisdicional justa, imparcial, consciente e célere. São suas as palavras “Não sou ácaro de processo, sou um ser de vida. Abro a janela do Direito para a vida”.
Consciente do papel dos magistrados, da responsabilidade de um bem julgar pessoal e instransferível, da responsabilidade embutida em cada sentença, Ayres vê na jurisprudência um instrumento de reforma sócio-jurídica, donde sua preocupação com a formação dos jovens juízes.
Propõe-lhes que, paralelamente à formação acadêmica, cultivem a sensibilidade (Poesia), ilustrem-se e sonhem também com textos não jurídicos (Romances), mergulhem nas mazelas sociais e conheçam a sociedade (Jornais), tenham consciência do seu papel de significantes - “não vazios” -, como bem disse João (o signo linguístico juiz compõe-se de um significado -um conceito - e um significante - uma imagem acústica ou gráfica).
Em perfeita sintonia com o pensar de Ayres, João propõe, como se o magistrado a falar, que a “superioridade” do pensar “poético” não deve estar associada ao status social ou à arrogância, prepotência demiúrgica dos que se acreditam donos do Direito, ao dizê-lo. É indispensável que a superioridade advenha da formação paidética, essa a única a conceder a licença a ele outorgada pela convicção, pela constatação dos seus pares…
João Batista termina sua análise das palavras do ministro com uma poesia…e que poesia…Como é difícil analisar o pensamento complexo de João! São-nos permitidos apenas alguns recortes devido à profundidade dos termos que insere. Pareceu-me que, nesta poesia, ele colocou no seu cadinho de idéias seu lado filósofo, cercado da mitologia e arquétipos gregos, para expor um profundo desencantamento, uma frustração com aqueles que alçou ao status de deuses…Desce-os do pedestal e ensimesmado, pergunta-se porque os colocou lá…
Tal como os gregos antigos, quando em suas viagens marítimas se aperceberam de que seus seres mitológicos nem existiam, nem habitaram os locais que imaginavam, o poeta João sente que seus “deuses”, por trás da persona, são homens…e se desencanta com eles, por tê-los elevado ao cume do Olimpo que, visto de perto não carrega vestígios arqueológicos de deus nenhum…
O poeta João se apercebe de sua responsabilidade na criação de um deus, um mito perfeito - e por isso, digladiam-se os deuses, cópias humanas de sua imperfeição. Carregam-lhe os traços de imperfeição que seu Criador possui…
O criador de um deus deve alimentá-lo com o alimento que o torna perfeito e esse, o João não tem para ofertar, pois que humano é…Daí, sua angústia em descobrir-se de “espada em riste” a defender abstrações de um nada…
Ao mesmo tempo, o poeta renega esses deuses tão lhe assemelhados que convivem no seu âmago, encarcera-os em seu subconsciente como para lembrar-se do “lado sombra” de si mesmo…E, mais uma vez, como analista de si mesmo, tenta entendê-los e vencê-los com o golpe da razão, e espalha dúvidas ao seu poder com as sementes (diálogos) que planta em si e no outro (o campo seminal).
Termina magistralmente, qual juiz, a comparar a angústia de olhar seus mitos (leia-se dirigentes, governo, homens que mitificamos) ao suplício de Prometeu . Tal qual este,”roubou” dos deuses o “fogo” do discernimento e, viu-lhes o segredo que estava em si mesmo! Por isso, sofre por co-responsabilidade. Mas agora, sacrílego consciente, Édipo às avessas, apodera-se da esperança que guarda Pandora e, é nela que antevê uma promessa de organização. Afinal, na amorficidade do Caos (leia-se na confusão das idéias, na arguição, nos porquês, na crítica, no cair de vendas) está implícita a característica fecundante, criadora…
Como em toda poesia, é impossível interpretar completamente, dissecar o pensamento do poeta. Mesmo este, ao relê-la, nela verá novas nuances que não tinha se apercebido. Esta é uma característica das poesias e dos poetas - serem humanos numa hora e deuses noutra…Para se compreendê-los é preciso ser o mesmo…Sou apenas humana…
Leninha