terça-feira, 18 de novembro de 2008

A CEIA [© DE João Batista do Lago]

A CEIA

 

© DE João Batista do Lago

 

Vindes. Ó criaturas do meu tempo! Vindes.

Vindes e sentai-vos comigo à mesa.

Chegada é a hora de saborear os mortos (e)

Beber o sangue defuntal dos nossos corpos.

Não temeis os sabores do que é vossos

Nenhuma dor será mais doce em vossas bocas

Nenhuma gota de sangue se esgotará...

 

Senteis ao meu lado – lado direito do pai!

E sem medos recebei o pedaço da carne

Matéria que vos ungireis entre anjos e demônios

Hóstia que vos transformareis em sagrados

Não temereis, pois, o beijo do escárnio

Saboreareis no altar das oliveiras

Da oliva mais pura o óleo da vida

 

Porém, ficai atentos, ó convivas deste prato

Comereis de todas as carnes e bebereis de todos os sangues

Contudo, nem mesmo isso vos garantireis a salvação

E quando estiverdes na soleira das tumbas

E quando sentirdes a dor de barriga das sombras

Há-de virdes o teu corpo enterrado

Alimentando todos os vermes da terra

 

Só então percebereis os sabores temperados

Que guardardes nos balaústres de todas as guerras

Para assim cozerdes os corações dos humanos

Só então sabereis da solidariedade defuntada

Da solidão macabra de todas vossas orações:

Tiranias que efetivaríeis entoando cânticos de louvores

Rasgando entre dentes todas as carnes das almas

SALMO DA ANGÚSTIA [© DE João Batista Lago]

Salmo Da Angústia

© DE João Batista Lago


Corpo! Corpo! Corpo!

Infra-estrutura do existir;

dialética dos desejos;



forma da matéria médica;

metafísica da justiça;

igreja de toda semiótica.



Um corpo tão assim:

prenhe de significados (e)

de significantes…



estética da beleza, do amor e da virtude

revela em toda sua vicissitude

o infortúnio duma morada ignota



Ó corpo, único real do existir

corpo que me encorpa a ossatura

num corpo que me mora como casa…



quanto tempo restará da desventura

da poeira concentrada?

Da astúcia dum viver sem ter morada?



Ó corpo!

Corpo que me arrasta pelo espaço (e)

que me tem como leme vagabundo



na proa dum tempo sem sentido

funde esta nau de condenados

no espectro do mar dos desesperados



Não te quero mais sentir,

ó corpo meu… meu corpo – minha casa

Afasta de mim esse cálice



Faz com que meu corpo cale-se

da angústia de todos os desejos…

Faz com que ele alce a taça da virtude