sábado, 24 de fevereiro de 2007

POR QUE AS ELITES E A NEOBURGUESIA BRASILEIRASSE OURIÇAM QUANDO SE FALA EM GUERRA VIVIL?


Por João Batista do Lago[1]
Esta questão ocorreu-me após uma entrevista que dei ao jornalista Mhário Lincoln, editor do portal MHARIO LINCOLN DO BRASIL[2], no domingo de carnaval, mas veiculada somente na quarta-feira de cinzas, onde, muito ligeiramente falei sobre essa questão. Para meu espanto, minhas palavras imediatamente à veiculação causaram uma tipologia de “ouriçamento” na audiência do site: 1) visível, e 2) invisível. E isso, para mim, foi uma excelente descoberta (e creio, a será para o jornalista Mhário Lincoln), ou seja, a home tem uma audiência que mostra a cara, que não tem medo de interagir, que não se esconde; e outra: que não se expõe, que se esconde, que é covarde, e que ainda por cima, quando seu nome é exposto na penumbra pede para não ser identificada. Deste fato ocorre-me a seguinte conclusão: a) a existência de uma elite e uma burguesia saudável e b) a existência de uma elite e uma burguesia arrogante, prepotente, discriminatória e preponderantemente ditatorial, e o pior de tudo, insensível às questões nacionais, isto é, preocupadas pura e tão-somente com o enchimento de suas burrinhas e o “brutal” enriquecimento, em contraste com 90% de um povo-nação de miseráveis e pobres. Com aquela (a) pode-se concatenar conversação, debate, discussão, e até justapor ou contrapor idéias no sentido de uma saída para nossas agruras como violência, crime, miséria, pobreza, educação, saúde, favelização... Com esta (b) é impossível quaisquer concatenações, pois, seu método é o já conhecido anonimato e suas práticas ameaçadoras. A esta (b) este meu aviso em forma de poesia, minha arma letal, que jamais se apagará, “apesar de você”:

Negação

Não aceitarei jamais
A decisão faceira
De me enquadrares
Dentro do quadrado
Mágico da ordem
Bem-estabelecida.
Essa tua guarida
É pura morte
Morte da palavra
Que se calada
Fica de toda ferida
Nos currais da ordem.
Tirai o tapete estendido
Dele não me utilizarei
Minha passagem será livre
Será escarlate – bem sei
Portanto não te ofereças tanto
A quem amor não te tem.
Quanto ao teu corrupto vintém
Assegura-o em tua desgraça
Ele não se fará mordaça
Da livre palavra que graça
Em toda praça com raça
Deste povo que não é chalaça.

=*=
(In EU, PESCADOR DE ILUSÕES, LAGO, João Batista do - Ed. Mhario Lincoln do Brasil, 2006 – 1ª Edição – E - Book Grátis)[3]

Feitas estas considerações vamos ao que interessa, ou seja, tentar responder a questão que intitula este artigo: Por que as elites e a neoburguesia brasileiras se ouriçam quando se fala em Guerra Civil?
Antes de tudo, porém, vale dizer que minhas palavras (como bem foi observado por alguns dos interragentes da entrevista) não contêm em si nada de novo. Isto é fato. Antes de dizê-las muitos já manifestaram o mesmo pensamento. Portanto, nada há de novo naquilo que disse ao jornalista Mhário Lincoln. E reflete pura e tão-somente uma manifestação pessoal, melhor dizendo, uma representação da minha mente que teima em não ficar adormecida pelo ópio do Poder, da Dominação, da Burguesia e das Elites que não têm o Brasil como referência, mas seus intestinos. E que, por isso mesmo, pouco se lhes dá em discutir o Brasil real, posto que, o que se lhes interessa é o brasil (com “b” minúsculo) do carnaval, da mulata, do samba, do futebol – manifestações culturais que já nem mais são do povo-massa ou do povo-nação – como “sujeitos operadores” de uma país de alienados. Eis, aqui, a metáfora implícita na “guerra civil” por mim ditada. E neste sentido não tiro uma palavra, uma vírgula sequer, do que declarei. E repito: este país precisa da sua guerra civil para constituir-se como nação, para criar sua identidade e sua cultura próprias. E isto significa dizer, noutras palavras: as elites brasileiras, com o beneplácito das burguesias nacionais, sobretudo essa elite que não mostra a cara, que está escondida nos porões do capitalismo nacional, nos palácios, nos governos, nas instituições, falharam. E falharam feio.
Tome-se como exemplo as palavras de um dos maiores intelectuais que esta nação já produziu, o antropólogo Darcy Ribeiro; brasileiro consciente como poucos ou como nenhum outro: “O povo brasileiro pagou, historicamente, um preço terrivelmente alto em lutas das mais cruentas de que se tem registro na história, sem conseguir sair através delas, da situação de dependência e opressão em que vive e peleja. Nessas lutas índios foram dizimados e negros foram chacinados aos milhões, sempre vencidos e integrados nos plantéis de escravos. O povo inteiro, de vastas regiões, às centenas de milhares, foi também sangrado em contra-revoluções sem conseguir jamais, senão episodicamente, conquistar o comando de seu destino para reorientar o curso da história”.
E diz mais adiante o professor Darcy Ribeiro: “Ao contrário do que alega a historiografia oficial, nunca faltou aqui, até excedeu, o apelo à violência pela classe dominante como arma fundamental da história. O que faltou, sempre, foi espaço para movimentos sociais capazes de promover sua reversão. Faltou sempre, e falta ainda, clamorosamente, uma clara compreensão da história vivida, como necessária nas circunstâncias em que ocorreu, e um claro projeto alternativo de ordenação social, lucidamente formulado, que seja apoiado e adotado como seu pelas grandes maiorias”.
E enfatiza o professor Darcy Ribeiro: “Não é impensável que a reordenação social se faça sem convulsão social, por via de um reformismo democrático. Mas ela é muitíssimo improvável neste país em que uns poucos milhares de grandes proprietários podem açambarcar a maior parte de seu território, compelindo milhões de trabalhadores a se urbanizarem para viver a vida famélica das favelas, por força da manutenção de umas velhas leis. Cada vez que um político nacionalista ou populista se encaminha para a revisão da institucionalidade, as classes dominantes apelam para a repressão e a força”.
Tão claras são as palavras do professor Darcy Ribeiro que dispensam comentários, mas servem para serem introjetadas e pensadas por todos que não se encontram adormecidos pelas benesses dessa “classe dominante”, mas que prefiro continuar chamando de elites brasileiras.
Por outro lado, e por fim, quero encerrar este artigo dizendo o seguinte: minha gênese é o barro do debate, da discussão, e em razão disso aceito, muito embora não concorde ou discorde veementemente dos seus enunciados ou conteúdos discursivos ou ideologias, que sejam postas à mesa, mas ao mesmo tempo sou radicalmente contrário às manifestações academistas ou academicistas, com ar de uma tipologia de professorado, como aquelas que desejam esconder a verdade mais-que-real dentro do campo de um pretenso saber conceitualístico, oriundo de reservas compilatórias de bibliotecas virtuais; assim como não aceito, sob hipótese quaisquer, o encavernamento - por intermédio de um escapismo barato - do núcleo do debate, como aquele que se diz simplesmente que tudo não passa de mero sensacionalismo. Aos defensores desta arte retórica resta-me assinalar o seu grau de aculturação sócio-político, e bem dizê-los promissores defensores da “classe dominante”.
[1] João Batista do Lago, 56, é jornalista, poeta, teatrólogo e escritor.
[2] http://mhariolincoln.jor.br/
[3] Solicitar livro: mhario@globo.com