segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

O CIO



Por João Batista do Lago

A madrugada é primaveril
Lá fora não há calor nem frio
Da janela do meu quarto
Olho uns quintais com suas casas
Num dos quintais uma cadela no cio
Do outro lado da cerca de arame
Um cão tortura-se em amantes latidos
A cadela assanha-o ainda mais
Encosta o sexo na cerca e permite-lhe a lambida
O cão ensandecido de desejo rodopia de alegria
Corre de um lado para o outro em desarmonia
Tenta escalar a cerca de arame em agonia
Tudo em vão
Resta-lhe a condenação de ser apenas cão

(no meu quarto ouço uma serenata: Brahms)

Da janela do meu quarto
Interiorizo-me na alcova dos casais
Quantas mulheres com o sexo em brasa
Recostam em cada marido distante
Ressuam o corpo como perfume exalante
Da flor-dos-amores em cio suplicante de carícias e beijos
Nenhuma cerca as separa de seus amantes
Apenas o ronco estridente e o ranger de dentes
Daqueles que outrora foram grandes amantes
E o cio assim dessas donzelas em cio
Aos poucos vai morrendo a cada desafio
Sem saber se é mulher ou apenas calafrio
Numa noite de primavera
Onde não faz calor nem frio

(no meu quarto a serenata de Brahms finda)