quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Condenados...

CONDENADOS...

(para todos os trabalhadores desempregados)

 

© DE João Batista do Lago

 

Saio de casa nervoso!

Como um operário que vai ao primeiro emprego.

De minha casa até a parada de ônibus vou plantando na lavoura cerebral

Pensamentos sobre um salário imaginário:

“Agora terei dinheiro para meu próprio cigarro e

poderei comprar minha dose de pinga diária...

Agora as pessoas vão me olhar como um trabalhador e

Não como alguém que vive sob o manto sagrado da ‘mamãe’...

Serei respeitado como um cidadão de fato;

Não como um vagabundo que vive às custas da ‘mulé’...

Agora voltarei a estudar e

Vencerei na empresa e

Chegarei a uma diretoria...

Agora poderei ter uma namorada e

Sair com ela aos domingos e

Passear nos parques, e assistir a um filme num cinema do bairro

E almoçar num bom restaurante:

Desses que ficam na parte alta da cidade e

Mesmo que seja só pra impressionar minha amada,

Assim farei para que ela não pense noutro homem...

Agora...”

 

- Volto pra casa nervoso!

Como um operário desgraçado e sem sorte

Na minha cabeça o encanto de ficar estirado no asfalto

Depois de ter meu corpo destroçado pelos pneus

Da empresa que não me quis trabalhador,

Que me humilhou compulsoriamente a dias de esmolé,

Que me condenou à vergonha da não-cidadania...

 

- Volto pra casa nervoso!

Como um operário vencido e com medo de enfrentar a família:

De encarar a “mulé” e “fios”.

De saber que eles me tem por vencido,

Que sou um zero à esquerda,

Que já devia estar morto,

Que não merecia ser mais um fardo...

 

- Volto pra casa, enfim, amargurado!

Com gosto de fel na boca; boca que não tem direito à comida

Servida de suor da “mulé” e dos “fios”

Que me castigam com olhares a cada colherada engolida,

Que me açoitam com seus pensamentos escondidos,

Mas que reverberam no dorso da minh’alma

Estalando o chicote pia: “Vai trabalhar vagabundo”.

 

- No dia seguinte lá se me vou de novo

plantando na lavoura do meu cérebro pensamentos

dum homem capaz de ter um emprego...

E no final do dia retorno acabrunhado.

Derrotado pelo mercado que não me tem mais como força de trabalho:

- “Obrigado, moço, infelizmente já preenchemos a vaga...”

- Então volto pra casa e... No dia seguinte... Talvez!...

Romance sonámbulo

Romance sonámbulo 

Verde que te quiero verde. 
Verde viento. Verdes ramas. 
El barco sobre la mar y el caballo en la montaña. 
Con la sombra en la cintura 
ella sueña en su baranda, 
verde carne, pelo verde, 
con ojos de fría plata. 
Verde que te quiero verde. 
Bajo la luna gitana, las cosas le están mirando 
y ella no puede mirarlas. 

Verde que te quiero verde. 
Grandes estrellas de escarcha, 
vienen con el pez de sombra 
que abre el camino del alba. 
La higuera frota su viento 
con la lija de sus ramas, 
y el monte, gato garduño, 
eriza sus pitas agrias. 
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde...? 
Ella sigue en su baranda, 
verde carne, pelo verde, 
soñando en la mar amarga. 

Compadre, quiero cambiar 
mi caballo por su casa, 
mi montura por su espejo, 
mi cuchillo por su manta. 
Compadre, vengo sangrando, 
desde los montes de Cabra. 
Si yo pudiera, mocito, 
ese trato se cerraba. 
Pero yo ya no soy yo, 
ni mi casa es ya mi casa. 
Compadre, quiero morir 
decentemente en mi cama. 
De acero, si puede ser, 
con las sábanas de holanda. 
¿No ves la herida que tengo 
desde el pecho a la garganta? 
Trescientas rosas morenas 
lleva tu pechera blanca. 
Tu sangre rezuma y huele 
alrededor de tu faja. 
Pero yo ya no soy yo, 
ni mi casa es ya mi casa. 
Dejadme subir al menos 
hasta las altas barandas, 
dejadme subir, dejadme, 
hasta las verdes barandas. 
Barandales de la luna 
por donde retumba el agua. 

Ya suben los dos compadres 
hacia las altas barandas. 
Dejando un rastro de sangre. 
Dejando un rastro de lágrimas. 
Temblaban en los tejados 
farolillos de hojalata. 
Mil panderos de cristal, 
herían la madrugada. 

Verde que te quiero verde, 
verde viento, verdes ramas. 
Los dos compadres subieron. 
El largo viento, dejaba 
en la boca un raro gusto 
de hiel, de menta y de albahaca. 
¡Compadre! ¿Dónde está, dime? 
¿Dónde está mi niña amarga? 
¡Cuántas veces te esperó! 
¡Cuántas veces te esperara, 
cara fresca, negro pelo, 
en esta verde baranda! 

Sobre el rostro del aljibe 
se mecía la gitana. 
Verde carne, pelo verde, 
con ojos de fría plata. 
Un carámbano de luna 
la sostiene sobre el agua. 
La noche su puso íntima 
como una pequeña plaza. 
Guardias civiles borrachos, 
en la puerta golpeaban. 
Verde que te quiero verde. 
Verde viento. Verdes ramas. 
El barco sobre la mar. 
Y el caballo en la montaña. 

Federico Garcia Lorca 
(1898-1936) 

Mais sobre Federico Garcia Lorca em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Federico_Garc%C3%ADa_Lorca

Desencontrários

Desencontrários

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

Nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé
certezas o vento leva
só dúvidas ficam de pé.

Paulo Leminsky
(1944-1989)

Mais sobre Paulo Leminski em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Leminski

Poema em Linha Reta

Poema em Linha Reta 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. 
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, 
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, 
Indesculpavelmente sujo. 
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, 
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, 
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, 
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, 
Que tenho sofrido enxovalhos e calado, 
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; 
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, 
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, 
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, 
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado 
Para fora da possibilidade do soco; 
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, 
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. 

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo 
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, 
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... 

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; 
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! 
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. 
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? 
Ó principes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! 
Onde é que há gente no mundo? 

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? 
Poderão as mulheres não os terem amado, 
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! 
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, 
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? 
Eu, que venho sido vil, literalmente vil, 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. 

Álvaro de Camposum dos heterônimos de 

Fernando Pessoa 
(1888-1935) 

Mais sobre Fernando Pessoa em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

Cântico Negro

Cântico Negro 

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces 
Estendendo-me os braços, e seguros 
De que seria bom que eu os ouvisse 
Quando me dizem: "vem por aqui!" 
Eu olho-os com olhos lassos, 
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) 
E cruzo os braços, 
E nunca vou por ali... 

A minha glória é esta: 
Criar desumanidades! 
Não acompanhar ninguém. 
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade 
Com que rasguei o ventre à minha mãe 

Não, não vou por aí! Só vou por onde 
Me levam meus próprios passos... 
Se ao que busco saber nenhum de vós responde 
Por que me repetis: "vem por aqui!"? 
Prefiro escorregar nos becos lamacentos, 
Redemoinhar aos ventos, 
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, 
A ir por aí... 

Se vim ao mundo, foi 
Só para desflorar florestas virgens, 
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! 
O mais que faço não vale nada. 

Como, pois, sereis vós 
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem 
Para eu derrubar os meus obstáculos?... 
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, 
E vós amais o que é fácil! 
Eu amo o Longe e a Miragem, 
Amo os abismos, as torrentes, os desertos... 

Ide! 
Tendes estradas, 
Tendes jardins, tendes canteiros, 
Tendes pátria, tendes tetos, 
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... 
Eu tenho a minha Loucura ! 
Levanto-a, como um facho, a arder nanoite escura, 
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... 

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! 
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; 
Mas eu, que nunca principio nem acabo, 
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. 

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, 
Ninguém me peça definições! 
Ninguém me diga: "vem por aqui"! 
A minha vida é um vendaval que se soltou, 
É uma onda que se alevantou, 
É um átomo a mais que se animou... 
Não sei por onde vou, 
Não sei para onde vou 
Sei que não vou por aí! 

José Régio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_R%C3%A9gio

A Bela Adormecida

A Bela Adormecida 

Estou alegre e o motivo 
beira secretamente à humilhação, 
porque aos 50 anos 
não posso mais fazer curso de dança, 
escolher profissão, 
aprender a nadar como se deve. 
No entanto, não sei se é por causa das águas, 
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas, 
ou se é por causa dele que volta 
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma, 
se você vai ao pasto, 
se você olha o céu, 
aquelas frutinhas travosas, 
aquela estrelinha nova, 
sabe que nada mudou. 
O pai está vivo e tosse, 
a mãe pragueja sem raiva na cozinha. 
Assim que escurecer vou namorar. 
Que mundo ordenado e bom! 
Namorar quem? 
Minha alma nasceu desposada 
com um marido invisível. 
Quando ele fala roreja 
quando ele vem eu sei, 
porque as hastes se inclinam. 
Eu fico tão atenta que adormeço 
a cada ano mais. 
Sob juramento lhes digo: 
tenho 18 anos. Incompletos. 


Adélia Prado 

Mais sobre Adélia Prado em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado

Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos 

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas 
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las 
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar... 
Fechá-las, de repente, 
Os dedos como pétalas carnívoras ! 
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo, 
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento 
Como tecem as teias as aranhas. 
A que mundo 
Pertenço ? 
No mundo há pedras, baobás, panteras, 
Águas cantarolantes, o vento ventando 
E no alto as nuvens improvisando sem cessar. 
Mas nada, disso tudo, diz: "existo". 
Porque apenas existem... 
Enquanto isto, 
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses 
E, cheios de esperança e medo, 
Oficiamos rituais, inventamos 
Palavras mágicas, 
Fazemos 
Poemas, pobres poemas 
Que o vento 
Mistura, confunde e dispersa no ar... 
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar 
Foi este o fim da Criação ! 
Mas, então, 
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ? 
Quem faz - em mim - esta interrogação ? 

Mario Quintana 
(1906-1994) 

Mais sobre Mario Quintana em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Quintana