quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos 

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas 
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las 
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar... 
Fechá-las, de repente, 
Os dedos como pétalas carnívoras ! 
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo, 
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento 
Como tecem as teias as aranhas. 
A que mundo 
Pertenço ? 
No mundo há pedras, baobás, panteras, 
Águas cantarolantes, o vento ventando 
E no alto as nuvens improvisando sem cessar. 
Mas nada, disso tudo, diz: "existo". 
Porque apenas existem... 
Enquanto isto, 
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses 
E, cheios de esperança e medo, 
Oficiamos rituais, inventamos 
Palavras mágicas, 
Fazemos 
Poemas, pobres poemas 
Que o vento 
Mistura, confunde e dispersa no ar... 
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar 
Foi este o fim da Criação ! 
Mas, então, 
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ? 
Quem faz - em mim - esta interrogação ? 

Mario Quintana 
(1906-1994) 

Mais sobre Mario Quintana em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Quintana

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