quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A Bela Adormecida

A Bela Adormecida 

Estou alegre e o motivo 
beira secretamente à humilhação, 
porque aos 50 anos 
não posso mais fazer curso de dança, 
escolher profissão, 
aprender a nadar como se deve. 
No entanto, não sei se é por causa das águas, 
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas, 
ou se é por causa dele que volta 
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma, 
se você vai ao pasto, 
se você olha o céu, 
aquelas frutinhas travosas, 
aquela estrelinha nova, 
sabe que nada mudou. 
O pai está vivo e tosse, 
a mãe pragueja sem raiva na cozinha. 
Assim que escurecer vou namorar. 
Que mundo ordenado e bom! 
Namorar quem? 
Minha alma nasceu desposada 
com um marido invisível. 
Quando ele fala roreja 
quando ele vem eu sei, 
porque as hastes se inclinam. 
Eu fico tão atenta que adormeço 
a cada ano mais. 
Sob juramento lhes digo: 
tenho 18 anos. Incompletos. 


Adélia Prado 

Mais sobre Adélia Prado em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado

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