terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O BODE DO LAGO - Um conto de Natal

O BODE DO LAGO – Um conto de Natal

© De João Batista do Lago

Nunca imaginei viver uma experiência como a que estou vivendo neste natal. Pela primeira vez resolvi sair do meu ambiente natural. Sempre vivi próximo ao lago; onde sempre me senti seguro; onde nunca fui ameaçado; onde até mesmo as maiores feras possíveis e pensáveis me respeitam. Mas esta experiência tem-me sido de fato muito engraçada. Curiosa mesmo!
Estou na cidade. Cidade de bichos homens e de mulheres! Cidade dos bichos humanos! E somente agora percebo claramente que não sou bicho: sou bode! É estranho este sentimento que sinto agora! Muito estranho mesmo! Queria expressá-lo, mas tenho dúvidas em fazê-lo… Como explicar esses bichos amontoados nesta selva de concreto? Como entender suas ações? Como classificar suas formas de vida? Como justificar seus comportamentos?
Bem, é melhor prestar atenção e pensar mais um pouco…
Pelo que entendi até aqui são muito estranhos esses bichos humanos! Criaram um Ser além deles próprios para adorar. Daí não ficaram satisfeitos e inventaram um filho desse tal que vive nas nuvens, mas logo se zangaram com ele e o crucificaram. Daí criaram um bicho inumano a quem deram o nome de Espírito. Este, de certa maneira substitui o que por eles foi assassinado. Que coisa estranha esses humanos!
Outra coisa que me custa entender é essa mania que esses bichos têm pelos grandes templos. São casas riquíssimas! E eles ainda vão para esses lugares e deixam o seu pão de cada dia num ofertório ao sagrado. Mas que sagrado é esse que esses bichos tanto adoram? (…)
Resolvi então visitar um desses templos. Qual não foi o meu espanto!
Vi bichos ajoelhados diante de estátuas de barro. Uns choravam. Outros rezavam. Aquele pedia perdão pelo mau que praticou durante o ano. Este fazia promessa: “serei um bom homem”. Aquela outra prometia ajudar os pobres. Isto me chamou atenção: que é isso, pobre? Auscultei com mais vagar e calma o que ela dizia. Daí entendi que pobre era um seu semelhante. Engraçado!
Esses bichos se dividem em classes. Tem o miserável, o pobre, o menos pobre menos rico, o rico e o milionário. Que loucura!
Mas hoje, que eles chamam de Natal, que comemoram o nascimento… daquele tal que eles mataram, a quem chamam de Menino Jesus, eles se juntam para uma tal de confraternização. E aí ocorre o mais engraçado: brindam e bebemoram a paz que no dia seguinte vira guerra; juram amor eterno pela mulher e pelo marido, mas no íntimo dizem-se: “que lixo!”; distribuem cinquenta dinheiros, mas amanhã roubam cem; abraçam o negro e a negra – “tens alma branca”, dizem –, mas no dia seguinte mandam entrar pelo fundo da igreja; amam as crianças, mas no novo dia lhas roubam toda esperança; juntam-se numa só ceia; mas amanhã negam o pão que alimenta a multidão…
Esses bichos são mesmo engraçados!
Saio dali da igreja e vou para as ruas. Nestas, os bichos humanos estão de sorrisos largos, o que, de certa forma, me fez lembrar dos lobos e das hienas. Lobos e hienas também sorriem uns para os outros. Lobos e hienas também andam em matilhas. Lobos e hienas são traiçoeiros… Enfim, como se parecem esses bichos humanos, os lobos e as hienas!
Mas continuo em minha peregrinação tentando entender esses bichos humanos. Logo encontro um casebre, mas ao lado há um palácio. Acho estranha essa harmonia! Então resolvo entrar nesses ambientes. No casebre há “fartura” de tudo; no palácio há fartura de tudo. No casebre há uma família miserável; no palácio há uma família milionária. No casebre nenhum pedaço de pão; no palácio há tanto… tanto… tanto… que empanturra até cão. No casebre há um pai desempregado; no palácio há o senhor do mercado. No casebre um filho e todos os degredos; no palácio nenhum filho, mas todos os brinquedos. No casebre a mulher é só pelanca; no palácio a mulher é só botox. No casebre o afeto é um abraço; no palácio o afeto é um carro. No casebre o vinho é água pura; no palácio é champanhe cara. Que loucura! (…)
Estou de novo nas ruas. As matilhas de transeuntes passam por mim. Não me notam. Claro, eu sou bode. Se me notarem serei crucificado, como o tal Jesus, ou simplesmente sacrificado para ser ofertado na ceia dos senhores e (também) dos miseráveis. Serei comprado ou vendido por trinta dinheiros: valor da traição que reside em cada coração depois do beijo…
É melhor mesmo que não me vejam. Se me virem são capazes de se vestirem como cordeiros; daí estarei em perigo. Serei morto e oferecido na ceia dos discípulos de Babel. Não! Não quero ficar nesta selva. Aqui não a relva onde eu possa deitar minha liberdade; nem água pura onde eu possa me embriagar de amor… Meu lugar é à beira do lago. Lá sou bode, não sou animal.