sexta-feira, 31 de outubro de 2008

RESGATADA LÁ DO FUNDO DO BAÚ...

O Homem Que Ruminava Dívidas no Fundo do Quintal

ali estava ele sentado

se guardando de todos os males

ali estava ele

bem no fundo do quintal

ruminando dívidas

dívidas de vidas

todas divididas

no espectro funeral

daquele homem

então morto de tantas vidas

devidas de divididas dívidas

crescidas em cada amanhecer...

no pé do sapotizeiro

- único confidente solitário

daquele homem solitário -

a molecada gritava sem medo da vida

ainda não dividida pelas dívidas da vida...

e todo aquele zoeiro era observado

pelos olhos dum vivo-morto

aquele homem já velho e cansado

de tanto e tanto e quanto amargurado

de tanta e tanta e quanta dívida

de quanta e quanta e tantas vidas divididas

soletrava com os olhos o carinho que amava a molecada...

mas naquele dia algo estava diferente

sua expressão não demonstrava carinho

tampouco dor ou qualquer horror

não havia como decifrar aquele olhar indecifrável

frágil, distante, com uma pedra de lágrima escorrendo

pelas paredes das narinas até atingir a boca onde ficara parada sem qualquer degustação...

comprendeu-se então que aquele homem

não mais olhava a molecada, não mais sentia

a barriga cheia de dívidas - dor de barriga de dívidas de vidas divididas! -

não mais havia aquele homem ruminando dívidas no fundo do quintal

não mais havia sapotizeiro nem o carinho zombeteiro daquele olhar cheio de dívidas

não mais havia cobrador para dizer: "Ele não está. Saiu. Foi caminhar..."

terça-feira, 28 de outubro de 2008

ORFANDIDADE

ORFANDIDADE

 

 

© DE João Batista do Lago

 

 

Fez-se-me o alvorecer

Duma manhã friorenta

Entrecortada de neblina

 

 

Os nós que me prendiam

Foram todos ablaqueados

E, então, vi-me pássaro

 

 

E voei sobre minha eternidade

E lá bem distante grunhi pensamentos

No silêncio da humanidade

 

 

Senti de todos os espíritos os lamentos

Passarem ligeiros como tufões

E os vi se transformarem em poeiras

 

 

E no encadeamento do grande eterno

Juntei todas aquelas leiras

E ungi meu corpo de sagração

 

 

E voei... voei... voei... voei...

Tão alto que me perdi no espaço

E pousei como um anjo no orfanato do sagrado

domingo, 26 de outubro de 2008

DEAMBULATORIUM

DEAMBULATORIUM

 

 

© DE João Batista do Lago

 

 

Acordo num ofertório do dia

Onde a primavera solícita

Oferece-me o sorriso das flores

Ouço as palavras das rosas

Dizendo-me: “Bom dia!”

O sol oferece-me a luz

Translúcida de ternuras (e)

Banha meu corpo no

Delírio do deslumbramento

Matinal duma primavera única

Sinto o rio que corre dentro de mim

Levando meus pensamentos às

Profundezas rochosas do meu ser

Lavando as pedras ressecadas pelo tempo

Transformando num movimento alquímico

Meus sentimentos em pérolas de esperança

Assim amanheço no meu hoje

Renovando-me do meu divino caos

Recriando-me no ovário do sagrado

Espaço de todas minhas manhãs

Feitas de flores

                        De rosas

                                       De Primaveras

terça-feira, 21 de outubro de 2008

PAINTING

PAINTING

 

© by João Batista do Lago

 

In the wall of the time

I am the instant deepest

Painting in three dimensions

Loaded of tragic traces

In the without-end of the spaces

 

The multicolorful inks

They reflect in the screen

Forms, models and corpus

Of the tragic and comic magic of the life

- Comedy of dying itself of itself to be born itself -

 

In double flicks it goes constructing the artist

Its epic diversity in the line of the time

Double of a unit dialectic: Reason and Imagination

In both the deforms poems of gratefulness and oblations

They go disclosing to days and nights of sciences and poetries

 

All sees thus the painter its workmanship

Looking at the screen of the side nothing

It sees that only of this angle

It has perspective… It has life! It has death!

Succession of the instant deepest

 

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

PINTURA

PINTURA

 

© DE João Batista do Lago

 

No mural do tempo

Sou o instante mais profundo

Pintura em três dimensões

Carregado de traços trágicos

Na infinitude dos espaços

 

As tintas multicoloridas

Reflexionam na tela

Formas, fôrmas e corpus

Da magia tragicômica da vida

– Comédia do morrer-se do si nascer-se –

 

Em duplas pinceladas vai construindo o artista

Sua épica diversidade na linha do tempo

Duplo duma unidade dialética: Razão e Imaginação

Em ambas os cânticos e as oblações disformes

Vão desvelando dias e noites de ciências e poesias

 

Vê assim o pintor toda sua obra

Olhando a tela do lado nada

Vê que apenas desse ângulo

Há perspectiva... Há vida! Há morte!

Sucessão do instante mais profundo

 

sábado, 18 de outubro de 2008

PASSARINHO

PASSARINHO

 

© DE João Batista do Lago

 

Voas sobre mim

Aquém do tempo

Além do espaço

 

Voas sobre sonhos

Aquém das ilusões

Além do desejo

 

Em tuas asas de prata

Brilham meus sonhos:

Quimera de solidão

 

Em tuas asas de bronze

Reluzem meus desejos:

Utopia da visão

 

Em tuas asas de ferro

Cintilam meus devaneios:

Realidade e paixão

 

Dão-me as tuas asas?

Quero voá-las!

 

Ser real na ilusão dos meus desejos

Brilhante nos sonhos da minha solidão

Eterno na utopia da minha visão

 

Dão-me as tuas asas!

Saberei voá-las?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

CHUVA TOMBADA [Soneto]

CHUVA TOMBADA

 

© DE João Batista do Lago

 

Cai mansamente a chuva na noite terna.

Pingo em pingo encharca meu coração

Tombado de lágrimas da espera eterna;

Carente do adubo para secar a solidão.

 

Calmamente a chuva de mim se encanta!

Transforma meu ser num túmulo de desejos.

Salivo, então, teu corpo que em mim decanta

Todos os suores; tua boca, volúpia de beijos.

 

Agora, não mais são os pingos da chuva

Encharcando meu coração vão e solitário.

Neste instante é o teu corpo todo o relicário,

 

Guardião do meu corpo – teu sacrário! –,

Tumba eterna do teu corpo – meu relicário! –,

Terço duma oração eterna deste ser solitário.

 

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

CRONEMA

A CASA DAS ANGÚSTIAS

 

© DE João Batista do Lago

 

Sentei-me numa cafeteria da Rua XV, no centro de Curitiba, para tentar esquentar o corpo e a alma do frio de 9ºC. O vento que soprava de Sul a Norte, deixava a sensação que a temperatura estava, pelo menos, quatro graus abaixo. Foi exatamente o conjunto dessa atmosfera que me levou a pensar num café com licor de chocolate acompanhado por um bom e delicioso conhaque, evidentemente enuviado pela fumaça e pela fragrância dum cubano a lá brasileño, comprado no Mercado Municipal, horas antes. E assim procedi.

Depois de servido pela garçonette com rosto de lua e de olhares orientais, lábios finos e de palavras fractais, ocorreu-me investigar o local: um corredor labiríntico com as mesas pregadas à parede. Todas estavam literalmente ocupadas. Eram mesas paralélicas que forçavam, naturalmente, os seus ocupantes a se olharem – mesmo que não pretendessem fazê-lo! – ininterruptamente. Entre as mesas e o balcão de serviços o espaço para os transeuntes não ultrapassava mais ou menos 75cm de largura. Era, pois, impossível, assim, não haver leves esbarrões entre aqueles e aquelas que entravam ou saiam do ambiente. Apesar do furdunço e do vozerio (que em geral me irritam) tinha-se sempre a sensação de estar num local agradável. Toda aquela bagunça... aquele caos (pasmem!) era de uma ordenação e de uma ordenidade inimaginável. Impressionante mesmo! Na desordem dos pensamentos, das palavras, dos gestos, dos grunhidos, dos afagos, dos carinhos, dos beijos, dos olhares, do tilintar de copos e xícaras, de baforadas de cigarros e afins, de tosses, cusparadas e escarros, enfim, dos corpos, havia uma organicidade que me levaram a raciocinar sobre o ponderável e o imponderável de tudo aquilo.

Por alguma razão que, possivelmente saiba, mas não a queira declinar, ocorreu-me imaginar aquele ambiente como sendo a Casa das Angústias. Isso mesmo! Ali estávamos todos – todos mesmo –, inflexivelmente, desfilando angústias de existencialidades não compreendidas, não entendidas, não apreendidas, não assimiladas... E mais que isso: imprecavidamente jamais aceitas como campo do conhecimento humano. Senti naquele instante um desejo imenso de querer ser tudo e todos. Desejei absurdamente tê-las como minhas todas aquelas angústias. Queria-as para torná-las meu conhecimento, de tal forma, que percebi que já não mais me era em toda aquela intuição. Era-me cada um e cada qual. Era-me desde a sobriedade mais retocada da curitibana dissimulada ao imprudente bebum solitário, contudo rico proprietário de vários prédios espalhados naquela rua e em outros lugares da cidade. Era-me desde a moça bonita de olhos azuis da cor do mar que ali se prostrava para ganhar o pão de cada dia para sustentar seu filho e a família ao mais ilustre advogado, o bom ladrão das defesas indefensáveis, entretanto causas ganháveis nos porões e nos labirintos dos corredores da Justiça. Era-me o pastor e o padre que se embriagavam com os dízimos dos fiéis condenados ao fogo do inferno se, porventura, renegassem a santa esmola. Era-me o poeta que deambulava seus devaneios procurando a palavra mais completa ou o verso mais límpido para assim produzir a estética da poesia mais bela. Era-me a criança rica que se empanturrava de hambúrgueres ao menino de pé no chão que pedia uma esmola “pelo amor de Deus” e levava como resposta o “xô... xô... xô...” tocado pelo vigia da casa. Era-me o político e o economista; o professor e o esportista; o jornalista e o palhaço; o patrão e o mercado...

Infernos! Céus! Purgatórios!

- Não os tenho. Infelizmente não os tenho para aplacar o desejo incontido do meu corpo que necessita dessas angústias carregadas de liminaridades angustiadas e sedentas de vivencidades, de angusticidades necessárias e indispensáveis para a compreendidade da infinita sabedoria de ser. Quão pequeno eu sou!

Tomo o último gole do café. Inspiro a última tragada do brasileño. Impregno-me de toda fragrância. E me vou pra casa como humano... Nada mais que humano!

POTÊNCIA

POTÊNCIA

 

© DE João Batista do Lago

 

Por quê não estou aqui?

Vivo toda potência da vida

Quero morrer toda potência da morte...

Quanto prazer e alegria

Sobressaem da vida e da morte:

Encontro do divinal paradoxo

Se entendessem o enigma

A tola religião e a inútil filosofia

Não plantariam medos e dúvidas

Reconheceriam por certo

Sem as necessárias representações

A suprema potência de Viver... E de morrer

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

DESPERTAR

DESPERTAR

 

© DE João Batista do Lago

 

Neste instante não me ocorrem instintos.

Devaneio imagens que não são comuns,

Vago na carruagem levada por alazões,

Acompanham-me na viagem as filhas do sol.

Cada virgem traz em suas mãos uma tocha,

Cada tocha revela-se na chave da porta;

Porta dura como a pedra duma rocha.

 

Tomam minha mão as virgens filhas do sol;

Insistem que as chaves abrirão os portais,

Dizem que só a travessia salvará os mortais.

“- Vai! Há luz dentro da rocha” – diz o séquito.

Pensamentos me vestem do carma umbrático:

- Haverá fogo dentro da rocha depois da travessia?

Não sei! Não sei! Sinto medo da pedra apenas sombra.

 

Insistem as virgens filhas do sol:

“- Vai. Não te mais resta outro caminho!

Verás que depois da passagem serás uno;

Perceberás a necessária imanência do ser;

Sentirás as dores do parto, mas parirás!

Aí, compreenderás a atomicidade única

E, então, saberás do calor do sol e da frieza da rocha!”

sábado, 4 de outubro de 2008

O CORPO


O CORPO

 

© DE João Batista do Lago

 

Que sei de mim?

– Que sei de Deus, então? –

Corpo = pai.

Corpore = filho.

Corpus = espírito.

 

Surpreende-me o Corpo!

Meu corpo:

Deus sive Natura.

Modelo do meu espelho

Reflete o inconsciente pensamento

Desconhecido do Corpo.

 

No Corpo

Toda potência;

Toda vontade do Desejo:

Tristeza e Alegria.

 

No Corpo:

Deus e Natureza!

 

 ----------

Ilustração: semadocante.blogs.sapo.pt/4490.html?view=1674

 

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

CLAMOR

CLAMOR

 

© DE João Batista do Lago

 

Clamo!

Um clamor profundo da minha verbatura,

Solitária e incontida no Verbo que de mim se faz carne;

Sarcófago do corpus indomado,

(in)criado dos espaços dos tempos;

Sacrário que segreda a hóstia trínica:

Eu-não-Ser-Sou!

Clamo!

Do ventre estéril mais fecundo

Todo fogo varão:

Diáspora do incenso do mundo

Jogado pela janela das civilizações.

Linguagens mudas:

- Não! Não há Verbo, nem carne!


--------------------

Ilustração: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://img.olhares.com/data/big/138/1384027.jpg&imgrefurl=http://olhares.aeiou.pt/clamor_silencioso/foto1384027.html&h=750&w=656&sz=222&hl=pt-BR&start=50&usg=__12bieUsSG2-WKqcxh0xhPIJEhMY=&tbnid=uRtWyRoBuXhNqM:&tbnh=141&tbnw=123&prev=/images%3Fq%3Dclamor%26start%3D40%26gbv%3D2%26ndsp%3D20%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

SOMBRAS DA INTUIÇÃO

SOMBRAS DA INTUIÇÃO[1]

 

© DE João Batista do Lago

 

Está escuro.

Estou só.

Estou com medo.

Minhas pernas não respondem.

Não ando.

Estou parado.

.................................................

Está escuro no meu quarto:

Meu consultório.

Procuro-me. Não me encontro!

Meu paciente – meu cliente – está só.

No meio da escuridão plena

Encherga sua sombra

Medonha!

Dona de todo saber médico

Toma meu corpo e minha alma

Como divinos eus de-si.

Não sei o que dizer...

Não sei como dizer...

Sei apenas do agora

Do agora de mim,

Que há aqui.



[1] Poeterapia

DEUS-ME

DEUS-ME

© De João Batista do Lago

O meu divino-deus continua embalsamado

Reclama sua eterna existência dentro de mim

Convoca-me a mostrar-me substancialista

Grita do fundo do poço quanto devo ser artista

Ó deus que dentro em mim quer despregar-se

Dizer-me abertamente que sou sujeito, porém

Demônios angélicos lhe pedem em prece:

- Não forneça o Sol da noite a quem não merece

Desgraçado então a vida assim condenado sigo

Sem ter oportunidade de deus-me ser parido

Complexo defunto: amplo encanto do eu-partido

Eu-deus carrega então a cruz dos vencidos

Pleno do pus pútrido de eterno Homem não-nascido

Calado na sua gênese como a essência do vencido