sexta-feira, 7 de novembro de 2008

POEMA SEM-CARAS

POEMA SEM-CARAS

© DE João Batista do Lago

Quando eu nasci
Anjos anunciaram
Por toda parte:
“Nem la gauche
nem la droite serás.
Teu destino é ser fractal.”

E assim fui jogado no mundo:
Como um vagabundo
Sem rumo e sem eira,
Sem leira nem beira
– apenas um debulhador
de besteira –

Não terás faces:
Nem uma,
Nem sete;
Mas todos os olhos
Marejados de Nada
No bordel do condenados.

Teus versos serão quebrados:
Não terão lados, mas
Todos serão quadrados
No espaço da esfera
Duma só palavra que vocifera
A natureza dos amargurados.

“Vai. Não sê gauche na vida!”
Trombetearam os anjos.

A POESIA ENTRE A REALIDADE E O REAL

A POESIA ENTRE A REALIDADE E O REAL

 

© DE João Batista do Lago

 

Talvez a questão mais complicada para a maioria dos atores da Poesia esteja na complicada equação filosófica de realidade e real. Mesmo aqueles a quem se podem considerar os mais evoluídos são, quando em vez, traídos por essa matemática do pensamento universal. O Poeta, como um pensador do (seu) mundo, isto é, fundamentado nas suas percepções oníricas, intuitivas e sensitivas, não foge a essa regra calculatória. Ele é resultado dessa imbricação fenomênico-escatológica, ou seja, o poeta sempre está a pensar entre dois campos imanentes e latentes na poesia: a Filosofia e a Teologia. Mas isso, contudo, é muitíssimo pouco – ou quase nada mesmo! – compreendido entre os principais agentes da Poesia: poetas, escritores e críticos. Aliás, pode-se mesmo inferir, que são raríssimos os que teriam essa compreendidade. Muitos entendem que, são poetas, somente pelo fato de saberem, habilidosamente, concatenar frases e rimas.

Que se me perdoem os puristas cheios de pruridos de literatura áulica. E que são muitos espalhados por aí afora! Mas o que se vê, e lê, por aí são, para dizer o máximo, uma certa tipologia de prosa poética ou historietas contadas em formas vérsicas. Mas saímos dizendo por aí que esses escritos são Poesias (!), posto que, a sonoridade, a métrica e a rima, ou mesmo nenhuma destas – muitas vezes -, nos agradam e nos elevam a alma e o espírito. É exatamente neste ponto que erramos, ou seja, quando nos deixamos levar e enlevar pelo simplesmente belo ou pela simplória estética musicálica que balança no campo da nossa imaginação palavras, frases e versos condicionados e condicionantes de efeito factível. E quando nos perdemos nessa imaginação criadora, inerente em cada ser humano, por mais humilde que o seja, perdemos a capacidade consciente e ciente de analisar, compreender, sentir, e de, sobretudo, “pensar” a Poesia como uma fonte de águas mais claras que a Filosofia ou a Teologia.

O que ouso, neste ponto, é salientar um posicionamento político, ou seja, dizer com todas as letras que o conjunto de conceitos e práticas que orientam a Poesia não se reduz, nem se traduz, tampouco re-traduz, pura e simplesmente, ao estádio cognoscitivo do pensamento do poeta. Tudo isto não passaria de um paradigma metodológico, isto é, tudo isto não é mais que um obstáculo para o processo consciente e ciente da construção da Poesia. O que afirmo é que, aos meus olhos, a Poesia não pode e não deve ser condicionada somente ao campo da realidade, mas deve, sobremodo, ser criada, ou ser fazida, a partir do campo do real. Realidade é Filosofia; é Teologia. Real é o e-xistente; a práxis do ente no e-xistir do ser, ou seja, é o real do sujeito na sua infra-estrutura. O que afirmo é que, o poeta e a sua poesia são o resultado do pensamento da intuição do seu instante. Ele abstrai duma realidade qualquer a fazedura do seu real: eis aqui o resultado da equação.