sábado, 31 de janeiro de 2009

A BALANÇA

A Balança

 

© DE João Batista do Lago

 

Do palácio das Liberdades

Nascem carnes podres

Podres de direitos

Podres de justiças...

E então os direitos

Acasalados com as justiças

Geram frigoríficos

Onde suas carnes são depuradas

Para serem vendidas aos homens

____________________________________________________________

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

BELÍSSIMO POEMA DE VILMA MACHADO


No meio das trevas me vi

quando a tempestade

resolveu cair

pensei que ali ficaria

morrendo aos poucos no frio

sem nada para existir

de repente

lembrei-me do sol

que atrás das nuvens

continua a existir

e assim bem de mansinho

ele brilhou de novo em mim

explodo agora em vida

que vou lutar até o fim

pois nada neste mundo

tirará você de mim

 

© vilma machado


EU, MITO!

EU, MITO!

 

© DE João Batista do Lago

 

Os meus mitos

Estão insatisfeitos.

Não lhes tenho gerado,

Da lavoura do meu ser,

O alimento capaz

De os fazerem divinais

No Olimpo do meu caos.

 

Há muita desordem

No céu dos meus deuses;

Há muita digladiação.

No átrio da minha fortaleza

Mantenho a espada em riste:

Tentativa abstrata duma

Defesa de nadas!

 

Meus mitos não querem acreditar

Que os estou renegando!

Mal sabem eles da

Desgraçada sorte...

Ainda não descobriram

Que os condenei à morte:

- em mim estão encarcerados.

 

Roubei-lhes todo o poder.

Agora, antropofágico

– como um ciclope –,

vejo-os com o olhar uníssono

do supremo humano-deus-ser,

apenas sementes dialogais,

que vou plantando pelos campos seminais.

 

Assim estão todos os meus mitos:

Condenados aos meus suplícios;

Que lhes imponho sem perdão qualquer

Para que saibam que de mim não zombarão,

Pois deles apreendi o segredo (e)

Tomei por mulher minha mãe – Pandora! –

Que me gesta no ventre do caos agora. 

MAIS UM EXCELENTE POEMA DE TONICATO MIRANDA...

O boi na platéia
para Vera Lúcia Gonçalves da Silva

você Sol, invencível astro
nosso amo e senhor
aquele que governa a luz
o que dita para todos o sono
somente a ti invejo neste mundo

vejo os rabos dos bois na campina verde
e para quem eles balançam senão para ti
ouço passarinhos de manhã a chilrear
e para quem fazem essa grande algaravia
se não para ti
os verdes dos relvados junto à rodovia
e os matos vista afora
até o rendilhado dos picos no horizonte
estão mais verdes
e me pergunto por que e para quem
vestem-se assim, se não é somente para ti
até as nuvens cinzas deram lugar
às brancas cumulus nimbus
todas em sinfonia em retumbante Sagração da Primavera
cuja anfitriã é a Terra, mas o provedor és tu, oh Sol

por isto mesmo te desafio para o duelo do milênio
venha tu das alturas com espadas de fogo
e bolas de pedra incandescentes
que te receberei com meus escudos
de palavras, versos de gelo e abrigos de argentum
venhas tu na velocidade incrível da luz
que aqui encontrarás um manto negro para apagá-la

vejo um boi sentado sobre sua cauda
na sombra de uma árvore
cabeça e chifres erguidos e imponentes
e me pergunto
quais pensamentos insólitos voejam em seu crânio
o que pensa desta minha digladiação com o Sol
certamente o boi é o mais sábio entre os três
pois que apascentado no frescor do flamboyant
pode escolher o que focar com seu grande olho de boi
a luta do Sol com o poeta ou a elegância das abelhas
transportando mel nos seus baldinhos


Tonicato Miranda
BR-101, 27/10/2008 

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

8 Flores e a Canção Desesperada [de Tonicato Miranda]

para a mulher amada/

e tantas mulheres como você

Você,

rosa vermelha

e um punhal brilhante sobre a mesa

do corredor até a mim vem

uma canção desesperada

Você,

um lírio branco

e vinte lírios brancos sobre a mesa

que nada rivalizam ou contêm

dos acordes da canção desesperada

Você,

meu amor perfeito

a caneta e a carta sobre a mesa

tudo a escrever ao meu bem

dentro da canção desesperada

Você,

minha violeta quase preta

há na tarde reflexos sobre a mesa

tudo que o sol vai levar para além

da tarde, junto à canção desesperada

Você,

cacho de acácia

desfolhando-se sobre a mesa

meus dedos tristes, sem

dedilhar pianos na canção desesperada

Você,

um ipê amarelo

pintando o papel sobre a mesa

mesmo vindo a noite qual um trem

embarque-me na canção desesperada

Você,

rosa branca

derramada sobre a mesa

derrame fragrâncias em mim, mais de cem

para perdurar-me nesta canção desesperada

Você,

manacá da serra

decorando meu sangue sobre a mesa

anhagatirão é teu nome também

o branco e a violeta juntos na canção desesperada

Tonicato Miranda

Curitiba, 29/12/2008.

TEXTO EXTRAÍDO DE “DISCURSO SOBRE A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA”, DE ETIENNE DE LA BOÉTIE

TEXTO EXTRAÍDO DE “DISCURSO SOBRE A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA”, DE ETIENNE DE LA BOÉTIE

 

“(...)

 

Esse que tanto vos humilha tem só dois olhos e duas mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.

Onde iria ele buscar os olhos com que vos espia se vós não lhos désseis?

Onde teria ele mãos para vos bater se não tivesse as vossas?

Os pés com que ele esmaga as vossas cidades de quem são senão vossos?

Que poder tem ele sobre vós que de vós não venha?

Como ousaria ele perseguir-vos sem a vossa própria conivência?

Que poderia ele fazer se vós não fôsseis encobridores daquele que vos rouba, cúmplices do assassino que vos mata e traidores de vós mesmos?

Semeais os vossos frutos para ele pouco depois calcar aos pés.

Recheais e mobiliais as vossas casas para ele vir saqueá-las, criais as vossas filhas para que ele tenha em quem cevar sua luxúria.

Criais filhos a fim de que ele, quando lhe apetecer, venha recrutá-los para a guerra e conduzí-los ao matadouro, fazer deles acólitos da sua cupidez e executores das suas vinganças.

Matai-vos a trabalhar para que ele possa regalar-se e refestelar-se em prazeres vis e imundos.

Enquanto vós definhais, ele vai ficando mais forte, para mais facilmente poder refrearvos.

E de todas as ditas indignidades que os próprios brutos, se as sentissem, não suportariam, de todas podeis libertar-vos, se tentardes não digo libertar-vos, mas apenas querer fazê-lo.

Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres.

Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que o não apoieis: não tardareis a ver como, qual Colosso descomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se quebrará.

 

(...)”

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

HABEMOS OBAMA - É Possível a Esperança

HABEMOS OBAMA! – É Possível A Esperança

 

© DE João Batista do Lago

 

Penso que nenhum analista, até o presente momento, tenha escrito algo a respeito do tema que me vou utilizar neste artigo. Mas se houve alguém que o fez, desde logo, ficam aqui minhas escusas, pois, não tive a oportunidade e o prazer de ler o texto. Refiro-me, especificamente, ao discurso da necessidade possível.

Se estudarmos toda a trajetória discursiva do Presidente Barack H. Obama, em todos e quaisquer eventos, desde o instante em que ele se lançou como candidato à Presidência dos Estados Unidos até o discurso da sua posse, ontem, 20, às 15:06h, verifica-se, no núcleo dos seus pronunciamentos, a elaboração, construção e formação, ou seja, a teorização de um novo sujeito – seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista de uma sociologia das práticas sociais: a Possibilidade possível e necessária.

Entenda-se, para este caso, que o “Sujeito” não é pura e simplesmente o indivíduo, mas “o ator social coletivo pelo qual indivíduo atinge o significado holístico em sua experiência, (...) talvez com base em uma identidade oprimida, porém expandindo-se no sentido da transformação da sociedade (...) de uma perspectiva bastante distinta, a reconciliação de todos os seres humanos como fiéis, irmãos e irmãs, de acordo com as leis de Deus, seja Alá ou Jesus, como consequência da conversação das sociedades infiéis, materialistas e contrárias aos valores da família, antes incapazes de satisfazer as necessidades humanas e os desígnios de Deus” (Munuel Castells).

Possivelmente este sujeito – Possibilidade – seja, de fato e de direito, o principal responsável pela campanha vitoriosa do Presidente Barack H. Obama. Sem ele, acredito, o senador não obteria o sucesso. Foi por intermédio dele que o presidente eleito atingiu a massa dos eleitores norte-americanos, pois estes se viram construídos, como “carnes” no corpus daquele sujeito. Ou seja, o eleitorado assumiu por definitivo que a possibilidade, da qual se referiam o candidato e o agora o Presidente, era e é uma realidade possível, isto é, uma necessidade de se transformar em real.

Desde o princípio da campanha o Presidente Barack H. Obama, insistiu na sua máxima: “Sim, nós podemos!”. Esse aforismo, ao longo da campanha deixa de ser simples enunciado para se transformar num significado de possibilidades reais. Nele está implícito, por exemplo, a conotação da possibilidade (e da necessidade) de se pensar, ou mesmo sonhar, com um possível mundo real onde se pode “forjar a paz (...) nesta nova era de responsabilidade (...) de uma nova direção baseada em interesses mútuos e respeito mútuo”.

Este pensamento elaborado do Presidente Barack H. Obama, sobre a questão do possível, outra coisa não é que “senão a repetição do argumento vitorioso de Deodoro Cronos, que reaparece toda vez que se reduz o P. a uma potencialidade, na qual devam estar presentes todas as condições de realização, estando, pois, destinada infalivelmente a realizar-se. Este é o conceito de P. encontrado em Hegel, que distinguia possibilidade real e mera possibilidade; esta seria "a vã abstração da reflexão em si", ou seja, uma simples representação subjetiva, ao passo que se tem a possibilidade real quando ocorrem todas as condições de uma coisa, de tal maneira que a coisa deve tornar-se real; e obvio que, neste caso, possibilidade real não se distingue de necessidade. A noção de possibilidade real neste sentido e frequentemente empregada pelos seguidores de Hegel, sejam eles idealistas ou marxistas. Muitas vezes esta noção foi empregada para designar a predeterminação dos eventos históricos em suas condições, portanto para fundamentar a possibilidade de previsão infalível da evolução futura da historia. Foi deste modo que G. LUKACS usou esse conceito (Geschichte und Klassenbewusstsein, 1923; trad. fr., 1960, p. 104 ss.). Com o mesmo significado de potencialidade, esse conceito esta pressuposto num livro de S. Buchanan, em que a possibilidade é definida como "a idéia reguladora da analise do todo em suas partes", sendo as partes definidas como "a potencialidade do todo" (Possibility, 1927, pp. 81 ss.).” – in Nicola Abbagnano.


* * * * *


DO SUJEITO POSSÍVEL

 

(poema dedicado ao

Presidente Barack H. Obama

 

© DE João Batista do Lago

 

No quadro negro da Esperança surges

Como a esperança possível e

Tão necessitada.

Não à-toa todos os olhares de todo o mundo te viram

E te admiraram e te sonharam e te saudaram

Como “eus” próprios construtores duma nora era.

A Paz é possível! – Disseste-o.

Pensamos todos, então:

- A Esperança recalcada pela ganância da guerra

Há-de reverter o mundo para o caminho da Paz;

A ganância do dinheiro construtor das misérias

Há-de contribuir para saciar a sede e a fome;

A ganância dos insensatos e ímpios de toda sorte

Há-de refluir para se construir um novo mundo.

 

Sim, nós podemos!

Sim, tudo é possível!

Sim, a Esperança pode vencer o medo!

Sim, a Paz é uma necessidade possível!

Sim, a miséria pode ser vencida!

Sim, o trabalho pode ser garantido!

Sim, o lucro pode ser dividido!

Sim, as guerras podem ser vencidas!

 

- Eis a mão estendida para todos vós

Ó povos de todo o mundo;

Ó povos de todas as raças;

Ó povos de todas as religiões.

Eis que vos convoco para a nova era:

A construção da Paz é possível.

 

A possibilidade do novo Homem

Não é a possibilidade do homem só.

 

Temos, enfim, a possibilidade de um mundo novo

Que nasce dum ano novo num novo janeiro;

Dum homem novo que pare no leito-carne do mundo

Sujeitos capazes de estabelecer a revolução da paz radical.

 

Temos, assim, a possibilidade de renascer!

Renascer do ventre de todas as esperanças

Antes recalcadas e inférteis e estéreis.

 

Temos, pois, o direito e o dever de um novo ente:

Ser da Esperança.

Somos a Possibilidade do Ser.

sábado, 17 de janeiro de 2009

EIDÉTICO

EIDÉTICO

 

© DE João Batista do Lago

 

Antes de ser exilado no Logos

Fui a significação do ser essencial;

Era a casa do silêncio.

Hoje estou preso no cárcere da linguagem:

antes da minha prisão era contato irrefletido,

agora sou sujeito de discursos reflexivos.


Preciso voltar às coisas mesmas!

Não quero ser apenas representação:

Sujeito que fala linguagem da irreflexão.

Hoje quero ser o bruto ser da palavra

E ter o mundo como anima do meu corpo

E ser a linguagem como anima da significação.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

POSSIBILIDADE

POSSIBILIDADE

 

© DE João Batista do Lago

 

Pretende o homem ser a

Verdade. Porém não sabe

Ser verdadeiro!

Para ser da verdade um

Guerreiro necessita, pois,

Ser verdadeiro!

 

Pobre do homem que mente

Pensando com ela ser verdadeiro;

Será de toda vida indigente

Da labuta será falso guerreiro.

Não verá, sequer, por um instante

A glória maior dum valente!

 

Será este homem a possibilidade

Possível desta saga guerreira?

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

NÃO SE CRIAM MAIS BEBÊS COMO ANTIGAMENTE

NÃO SE CRIAM MAIS BEBÊS COMO ANTIGAMENTE

 

© DE João Batista do Lago[1]

 

Hoje em dia, segundo recente pesquisa

feita pelo site The Baby Website,

com 2000 mães britânicas,

dois terços delas preferem cantar

músicas pop do que canções de ninar

na hora de acalmar ou colocar os bebês

para domir.

 

       Eu sou duma geração que ia pra cama embalado por estórias e cantigas de ninar ou cantigas de roda. Elas foram tantas e quantas, que marcaram definitivamente toda a minha história de vida. Ainda hoje sou capaz de lembrar plenamente de muitas delas: Boi da cara preta, Bicho papão, Dorme neném, Dorme filhinho, Nesta rua, Terezinha de Jesus, Entrei na roda, Atirei o para no gato, Pirulito que bate-bate, O cravo e a rosa, Escravos de Jô, Pai Francisco, Se essa rua fosse minha, Marcha soldado...

       Muitos de vocês, sobretudo aqueles que nasceram antes dos anos 80, com certeza, devem estar lembrando, neste exato instante, de suas reminiscências. Chego mesmo a devanear sobre isto e imagino ver o rosto de cada um abrindo um largo sorriso ao lembrarem de suas tenras infâncias... Dum tempo e dum espaço onde se era feliz. Simplesmente feliz! Dum tempo em que essas estórias, cantigas de ninar ou cantigas de roda não eram analisadas sob o manto de um tal psicologismo barato da pós-modernidade ou duma modernidade tardia, envolto sob o prisma de preconceitos aculturantes e escatimosos, ou mesmo escatológico.

       Já se escreveu por aí na rede “A Inocência perdida das canções de ninar[2], texto que pretendera desconstruir esse folclore nacional, partindo de argumentos chulos e eivados de preconceitos ou, pior ainda, abarrotado de uma tipologia de aculturalismo tupiniquim, que muitas dessas canções teriam sido as responsáveis pelas agruras da miséria e da pobreza brasileiras, entre outras coisas. O texto da autora (ou do autor) peca pela grosseria analítica – seja do ponto de vista denotativo, seja do ponto de vista conotativo.

As nossas estórias, canções de ninar ou canções de roda, antes de serem demonizadas pelos arautos e defensores dum certo aculturalismo pós-modernista, com o apoio de uma certa corrente xiita de ecologistas, bem assim de certa corrente psicanalítica, e mais ainda, de um certo número de intelectuais indiferentes à cultura da formação do Homem (homem/mulher) brasileiro, todos sacerdotes da igreja do modismo mercadológico da hora presente, deveriam ver nessa nossa fenomenológica manifestação popular, a partir do campo da arqueologia histórica, o florescimento da formação cultural da nação pau brasil, mesmo que se admita o viés político-econômico dos colonizadores, das elites e das burguesias dominantes, essa fenomênica manifestação está sim, na nossa raiz, não como o caldo cultural de um povo de baixa estima, mas como um povo que traduz, desde as suas raízes, todas as manifestações fenomênicas das estratégias e projetos dos colonizadores e dominadores, e que eram denunciados por intermédio dessa argamassa folclórica.

Quanto às canções pop de ninar das mães britânicas pouco, ou mesmo nada, tenho a comentar. Mas habita-me uma preocupação latente no corpo social brasileiro, ou seja, nós que tanto gostamos e admiramos de tudo que é estrangeiro e dos estrangeirismos, ainda que vulgares, haveremos de substituir nossas estórias, canções de ninar ou canções de roda pelas músicas pop para adormentar nossos pimpolhos? Ou será que passaremos imunes por esse paradigma de aculturação?



[1] João Batista do Lago é jornalista, poeta, escritor e teatrólogo.

[2] Texto publicado no Boletim da Rádio CBN, em 2 de outubro de 2003.

domingo, 11 de janeiro de 2009

CAMINHO DAS PEDRAS

CAMINHO DAS PEDRAS

 

© DE João Batista do Lago

 

Estou do outro lado da estrada

Meus pés – já tão cansados! –

Medo tem de pisar o quente asfalto

Antes pelas pedras dos caminhos

Muito calejados...

 

Ensaio um retorno qualquer

A qualquer hora de qualquer instante

E meus pés pensam mais que mim

Colhendo pedras pelas estradas

Pedras, pedras e pedras... Pedras! Somente pedras.

 

Meus pés estão cansados de olharem estradas

De tão vazias sem chão batido,

De tão cheias de asfalto e pedras,

De tão vazias de terra molhada...

Eles querem o chão duma odisséia já bem distante

Quase esquecida pelos passos bêbedos

Dum viajante solitário e só

Pisando as pedras dum caminho esmo...

 

E sequiosos mais estão de tantas idas e vindas

De tantas sedes não saciadas

Pelas nascentes dos igarapés esturricados

E secos... E sem água... E sem nascentes...

Ah!

Meus pés têm bebido tantas e quantas pedras

Pelos caminhos,

Que se tornaram embarcações

Das pedras dos caminhos...

 

Eles têm comido tantas e quantas pedras

Pelo caminho!

Estão mesmo empanzinados das pedras

Ofertadas pelas estradas de pedras

Encontradas nos caminhos...

E continuam com fome

Os meus pés!

 

Ah!

Os meus pés continuam do outro lado da estrada:

Solitários e sós.

Continuam pisando pedras...

E só pedras!

Nos caminhos das pedras...

 

Eles querem a noite das pedras

Para ouvir o canto das sereias

Vindo do mais profundo mar...

Dum mar de pedras...

Eles querem se deitar na areia da praia

Colher conchas de pedras

Olhar o céu de pedras

E colher estrelas de pedras

Numa noite qualquer de pedras...

 

Ah!

Os meus pés

São as pedras do caminho

Dum poeta qualquer

Engenheiro dum caminho de pedras

E de pedras dum caminho

Que meus pés de pedra caminham...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

ORAÇÃO AO OUTRO

ORAÇÃO AO OUTRO

 

© DE João Batista do Lago

 

Vejo-te, Outro,

amor da minha conduta.

Tudo o mais, além de ti,

é ilusório;

Representação falsa dos românticos,

Naturalistas dum tempo de sonhos.

 

Vejo-te, Outro,

símbolo máximo da razão.

Tudo o mais, além de ti,

é desprezível;

Devaneios de encantos de seres diacrônicos,

Vidas que se arrastam sem o deus-mercado.

 

Vejo-te, Outro,

mercadoria do meu consumo.

Se nele não te encontras:

não és nada...

Vê-se, pois, não tens a alma dum cifrão.

 

Vejo-te, Outro,

com minha visão de lucro.

Se nela não te sonho:

nada vales...

És mercadoria podre – espírito sem capital!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

APOCALIPSE

APOCALIPSE

 

© DE João Batista do Lago

 

I

Amanhece e o sol do Oriente sangra

Pássaros e borboletas – anjos de aço –

Dão “bom dia!” de estanhos em fogos!

A velha Palestina – enclausurada! –

Parece mesmo condenada ao pranto eterno,

À miragem apocalíptica de João.

 

II

Da miserável conduta de Israel, todo um povo arde:

Crianças morrem...

Jovens morrem...

Mulheres morrem...

Homens morrem...

Uma nação morre...

 

III

Na Meca ecumênica dos poderosos

Onde o deus-mercado se abriga

Parlamenta-se a sorte da guerra

Discute-se uma faixa de terra – Gaza –

Onde um povo esquecido, e de miserável sorte,

Vê sobre si caírem flores de fogo

 

IV

Abre-se a terra – antes prometida! –

E dela surgem cavalos de ferro

Cuspindo palavras que torram corpos;

Que pisoteiam com seus cascos de aço

Corações de anjos que retornarão do enterro,

Para vingar a maldade da prostituta Israel

 

V

Do mar surgem peixes-fogo voadores e

carnívoros. Multiplicam-se e devoram as liberdades!

E a prostituta sorrir ao ver os filhos da promessa

Serem massacrados... Humilhados... Dizimados...

Sob a benevolência dum varão que imola,

Que mata sem paixão, pensando lavar seus pecados.

 

VI

Palestina! A velha senhora implora de joelhos

Um naco de terra para seus filhos plantarem o milho

E colherem a uva que lhes saciarão a fome e a sede...

Mas a nova prostituta – eterna bêbeda –

Banqueteia-se no palácio da Grande Tenda

E faz corte aos bezerros de ouro

 

VII

Antes do juízo final surgirá um anjo que anunciará:

“A famosa prostituta, aquela grande cidade, cairá!

E os reis do mundo inteiro que com ela deitaram,

E que comeram do milho e beberam do vinho da sua

Imoralidade; perecerão. Só então haverá liberdade.”

E um outro anjo dirá:

 

- Saia dessa cidade, meu povo!

Saiam todos dela

para não tomarem parte nos seus pecados

e para não participarem dos seus castigos!

Pois os seus pecados estão amontoados até o céu,

e deus lembra das suas maldades.

Deem a ela o mesmo que ela deu a vocês;

paguem em dobro o que ela fez.

Encham a taça dela com bebida duas vezes mais forte

do que a bebida que ela preparou para vocês.

Deem a ela tanto sofrimento e tristeza

quanto luxo e glória ela deu a si mesma.

Porque ela pensa assim:

“Estou sentada aqui como rainha!

Não sou viúva e nunca mais vou sofrer!”

Por isso num mesmo dia

cairão sobre ela estas pragas:

doenças, dor e fome,

e ela será queimada no fogo.

Pois o Senhor Deus, que a julga, é poderoso.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

UMA MENINA CHAMADA LUA

UMA MENINA CHAMADA LUA

 

© DE João Batista do Lago

 

Quanto vale uma Lua?

Us$ 50.

E lá se vai uma Lua

Presa por mãos desconhecidas...

Saída da miséria

Lua não tem saída!

Lua viaja novas estradas

Para encontrar novas misérias...

Agora seu corpo é a matéria

De mandarins do sexo

Ou mesmo a mão estendida

Nas esquinas dos trânsitos

 

As noites de Lua

São sempre noites negras

Escuras

Defloradas nos cabarés

Das carnes infantis

Ou são sempre noites negras

Escuras

De mãos estendidas como pequenas esmoles

 

Haverá algum dia nas noites

Escuras

Negras

Das noites de Lua?