quarta-feira, 12 de março de 2008

Os Novos Pecados da Igreja Católica

© DE João Batista do Lago *

Uma das muitas lembranças que carrego comigo, que é ao mesmo tempo "alma" e "espírito" do meu biotipo cognitivista, muito embora, hoje, tenha consciência plena de não fazer parte de quaisquer religiões ou tê-las como foco de primazia para o meu desenvolvimento intelectual – seja na esfera privada ou pública, ou profissional -, é a minha proximidade com a religião católica. Durante toda a minha infância e parte da minha adolescência fui "espiritualmente" ligado a este campo do sagrado. Tão ligado que um dia imaginara ser sacerdote ou, no mínimo, um Imão Marista. Contudo a Natureza (sobretudo a minha natureza pessoal) me encaminhara para outros mundos.

E antes que me acusem de Ateu ou de ateísmo devo sustentar que, hoje, sou Agnóstico ou agnosticista, isto é, imagino-me no campo de uma (1) doutrina que considera impossível conhecer ou compreender, e portanto discutir, a realidade das questões da metafísica ou da fé religiosa (embora admita existirem, como a existência de Deus, por exemplo), por não serem passíveis de análise e de comprovação racional ou científica; ou dentro do campo do (2) conceito (de Thomas H. Huxley) de que só o conhecimento adquirido e demonstrado racionalmente é admissível.

Assim sendo, portanto, posso inferir que o agnosticismo, como atitude intelectual, tem duas vertentes: (a) no terreno filosófico consiste em negar qualquer possibilidade de conhecimento fora do terreno da ciência e do pensamento racional; (b) no terreno religioso consiste não em negar a fé ou as afirmações nela baseadas, mas em negar que essa fé e essas afirmações tenham ou possam ter suporte racional. Em ambos os casos o pensamento agnóstico se baseia na razão, na racionalidade e no conhecimento científico. No segundo caso, especificamente, ao não negar a Metafísica, a Fé e os fenômenos supranaturais está-se, racionalmente, deixando aberta a possíbilidade de aceitá-los, se e quando explicáveis pela razão.

Bem, feitas as ressalvas, partamos para o que se nos interessa, de fato e de direito, neste artigo: no último final de semana, no L’Osservatore Romano, órgão oficial do Vaticano, foi divulgado pelo arcebispo Gianfranco Girotti, o número 2 da alta cúpula da Igreja Católica, que a partir de agora os católicos de todo o mundo passam a viver e a conviver com mais três tipologias de pecados capitais – a poluição, a manipulação genética e as desigualdades sociais -, pois, "se ontem o pecado tinha dimensão mais individualista, hoje possui uma ressonância principalmente social em razão do amplo fenômeno da globalização".

Monsenhor Girotti, nesta sua entrevista dominical, deduz, produz e reproduz uma crítica vaticanicista contundente ao fenômeno da globalização, sobretudo quando assinala que "há diferentes setores nos quais revelamos comportamentos culpáveis em relação aos direitos individuais e sociais"; ou quando diz que "os pobres tornam-se sempre mais pobres, e os ricos sempre mais ricos".

Evidentemente não se pode deixar de aplaudir tais palavras vindas do Vaticano. Elas soam e ressoam no mundo terrestre, que se nos é real, além do que elas refletem preocupação que não é só do catolicismo, mas de todos segmentos que, em sã consciência, não admitem a ideologia do "deus-mercado", assim como os seus ideólogos conservadores, autoritários e ditatoriais.

Pode-se dizer (até!) que a Globalização é uma tipologia de céu dos capitalistas, ou que é (ou seria) a afirmação e reafirmação dum processo de dominação em marcha que se pretende construir como se fora uma verdade absoluta, ou seja, no mais íntimo pensamento capitalista e de seus formuladores, assim como de seus ideólogos, sempre houve, há e haverá o desejo, a necessidade mesma, de construir um mundo futuro no qual os pobres e os desiguais possam um dia alcançar. Isto sugere uma similaridade com um enunciado famosíssimo do cristianismo e do catolismo a respeito desse possível mundo futuro utópico: "não se preocupe, você é pobre aqui (na terra), mas na outra vida (no céu) você será uma pessoa rica". Em ambos os casos o que se percebe é a afirmação de um Ideal metafísico. Em ambos os casos o que se vê a constituição de um idealismo pós-moderno ou modernamente tardio sobre condições efetivas de uma realidade mais que real, de uma verdade que não precisa ser conceituada no campo da sagrado como um "novo pecado capital". De pecado capital nada tem. Tem-o, em verdade mesmo, de "pecado" capitalista.

Ao mesmo tempo é sempre muito bom ter vivo na memória que a Igreja Católica é a precursora da globalização. Mas não só isso! É preciso entender, com clareza imparcial, que o Estado do Vaticano (cidade-estado para alguns historiadores) foi um dos mais violentos na implantação, implementação e institucionalização do seu projeto ideológico: o catolicismo – uma ideologia fundamentada em bases metafísicas (céu, paraíso, etc.) e com um forte apelo do medo, isto é, do pecado que era, então, o "Sujeito" da dor, do infortúnio, da infeliciade, enfim, do inferno... Diga-se mais: foi com esse projeto de globalização que a Igreja Católica tornara-se uma das instituições mais ricas e poderosas do mundo (ainda hoje!), tanto financeiramente quanto economicamente.

Contudo, o que mais contribuíra para o "desenvolvimento e progresso" da Igreja Católica fora a adoção do "Pecado". Este fora, ao longo dos tempos, a principal moeda de negociação entre o catolicismo e os fiéis. E ainda hoje o é, como o faz crer o Monsenhor Girotti, introduzindo, no campo pecaminoso, portanto no campo do sagrado, ou seja, no campo da metafísica, temas da realidade terrestre - mais que real! - como a poluição, a manipulação genética e as desigualdades sociais. E neste ponto cabe observar o vaticinare do arcebispo com relação ao campo científico, ou seja, com relação ao desenvolvimento da engenharia genética, no qual traduz e retraduz o pensamento do Vaticano, reduzindo esse conhecimento científico à simples condição de "manipulação genética".

Pergunte-se: por quê a Igreja Católica tem tanta resistência, tem tanto medo em admitir a verdade científica? (Ouso fazer aqui algumas inferências como respostas a esta questão).

Pode-se dizer que tanto a resistência quanto o medo da Igreja Católica na admissão da verdade científica se fundamentam em (i) conservadorismo, (ii) poder político-religioso, (iii) eliminação do sagrado. No mínimo essas três hipóteses são o "inferno" para o catolicismo; assim como o é para o capitalismo o (I) conservadorismo, (II) o poder político-capitalista, (III) a eliminação do "deus-mercado".

Enfim, transformar essas realidades terrestres e humanas (por demais humanas!) em pecados é não querer resolver nada. É, em verdade, querer continuar mantendo a tocha do "espírito" da opressão sobre as cabeças dos fiéis; é continuar o processo secular de dominação de um catolicismo tosco e atemporal; é continuar mantendo a espada do pecado apontada para os corações dos fiéis indefesos, "sempre mais pobres", sempre "mais desiguais", que podem ser condenados para todo o sempre a serem torrados ao fogo do inferno, que jamais poderão estar próximo (seja do lado direito, seja do lado esquerdo) de um Deus que já os esquecera ou que jamais existira, a não ser como fonte de de dominação e de opressão do catolicismo cristão.

É disso tudo que nasce o desencanto às religiões. É por isso que as religiões estão perdendo fiéis. É em consequência dessas absurdidades que a Igreja Católica é a igreja que mais perdeu adeptos nos últimos 25 anos do século XX, e continua perdendo nestes primeiros anos do século XXI.

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* João Batista do Lago, 58, maranhense de Itapecurumirim, é jornalista, escritor, poeta, pesquisador e pensador empiricista.