segunda-feira, 28 de maio de 2007

PASSAGEIRO DO EU

PASSAGEIRO DO EU

Por João Batista do Lago

Sou-me – de mim -,
apenas eu – e eu mesmo -,
passageiro da própria passagem.

Espelhado em águas de mares
reclusos, como nau perdida em alto mar,
tornaram-me (re) excluso de portos seguros.

E assim, de posse da minha lepra e da minha loucura,
erguido como representação de anti-poder,
jamais fui construído sujeito mensurável para ser calculado.

Fizeram de mim um vivo morto – ou morto vivo! -
quando me beijou a face, o patrão, no horto das oliveiras,
quando me excluíram e me internaram no palácio dos leprosos.

Venturosos da nau dos loucos, de poderes moucos,
estabeleceram no campo das açucenas
quermesses de dominações sem quaisquer penas.

E lá recluso, e excluso, de mim e do mundo,
açoitado pelo poder como qualquer vagabundo
continuo louco, recluso e excluso, passageiro da própria passagem.

A nau – este mundo -, leprosário da minh’alma
reflete em águas profundas o impuro narciso do poder
num vai-e-vem de ondas mortais de loucos e leprosos.

E agora, já definitivamente condenados, todos – e eu -,
passageiro da própria passagem já não encontro portas de saída
para enfrentar o meu fetiche... Para deitar minha lepra e minha loucura!

quarta-feira, 23 de maio de 2007

DIÁLOGO DE ATHENAS

DIÁLOGO DE ATHENAS
(Réquiem a São Luis)

Por João Batista do Lago

- Olá, poeta.
Há quanto tempo não nos víamos!

- Que olhares,
Que visões têm da ilha?

- Carrego ainda olhares de Athenas,
Visões de um tempo de querências.

- Ainda bem que podes tê-las,
Pois cá não mais a temos... Tudo é demência!

- Da arte que conhecestes pouca coisa restou.
Hoje há muita miséria, violência e dor,

os jardins da cidade não têm mais flores,
as rosas sumiram, os jasmins secaram.

Sobraram as dores dos desamores
e a cidade poeta virou bandida.

Hoje as almas são dormentes ambulantes
De um bonde carregado de miseráveis,

de miseráveis criaturas sem espaço,
sem rosto, sem fé, vermes sem sacristia,

carentes e tolos viventes de vida sem vida,
sem qualquer guarida de telhados e azulejos,

sem histórias, sem eira nem beira,
sem mar e sem praias, sem sal e sem terra.

Ó, poeta,
as gentes dessa cidade já não têm sol

e nem mesmo a lua flutua em suas almas
para lhes sincronizar a sinfonia de Dionísio,

pois elas perderam o riso da harmonia
e se tornaram almas mortas de agonias.

A cidade, poeta, hoje é “apenas”
alma que pena suas dores e seus horrores,

dissimulada de Athenas sem cantores,
sem poetas, sem poesia,

ilhada no besteirol da vaidade comum
pensada, apenas, na vermelha lama do consumo.

É assim, hoje, a tua ilha: cercada de grilhões
que aprisionam Prometeus nas rochas da ignomínia,

que favorecem os tufões da incompetência
que se sentam à mesa dos poderosos

e diante de um lauto manjar
exigem dos poetas a continência,

exigem toda reverência
para lhes legitimar toda incompetência.

Poeta... Perdemos os telhados.
Todos os telhados perdemos.

Perdemos as sacadas.
Todas as sacadas perdemos.

Perdemos nossas ruas.
Todas as ruas perdemos.

Perdemos nossas fontes.
Todas as fontes perdemos.

Não temos telhados,
nem as sacadas temos.

Não temos ruas,
nem as fontes temos.

Estamos sós... Ilhados estamos.
Perdidos – todos – somos, poeta.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

ESTA MULHER - (DIA DAS MÃES)

Esta Mulher

João Batista do Lago

Vejo hoje esta mulher
(ou seria apenas uma semimulher?)
de tantas lutas, de tanta força
consumida e consumindo-se nos dias do dia-a-dia

vê-se nela
a ausência
da carente
alegria
não-presente!

O tempo maldito no espaço da vida
- há tempo – que lha toma o tempo sem pena de morrê-la...

Cadê os brilhos dos seus olhos?
Para onde foi sua juventude?
E aquela garra que só ela dispunha?
E a palavra forte
(mas justa)
da hora do castigo?
Onde está o beijo da noite que me acomodava na rede em balanço?:

Boi... boi... boi...
boi da cara preta
pega esta criança
que tem medo
de careta.

Lembro daquela mulher ainda orgulhosa
dos seus feitos diários:
ao amanhecer o serviço do café
durante a manhã a tarefa leva à casa limpa,
ao fogão e ao almoço das 13 horas
quando a presença do marido já se fazia presente.

A sesta era curta
e logo ela tornava ao trabalho ainda hoje
não remunerado... não reconhecido;
muitas vezes criticado
(e quantas e tantas vezes criticado!)
mais fogão, tanque de lavar, ferro de passar e o “banho das crianças”...

Assim era aquela mulher que hoje vejo
semiprostrada
sentada à cama
mendigando uma mão
para levantar-se
já sem forças
e combalida
esperando a morte chegar
como sina desta triste vida
que não lha deu oportunidade
que não fora a da procriação

Esta mulher hoje chama atenção pela sua contrição não devida
mas, e ainda assim, por vezes, tomo-a pedindo perdão com um terço à mão:
“onde foi que eu errei?”...
reza por mim e por meus irmãos
pelo Pedro não-presente
(quanta e tanta falta deste ausente!)
percebo no seu balbuciar silente
nas noites que se findam em cada si morrer
a necessidade do amor carente
que se eternizou
virou mito e
transmutou-se em fetiche
sem a consciência do amuleto

E nada posso fazer nesta minha impotência!

Sinto que cada dia do dia-a-dia de d. Júlia
é o pouco do muito que me resta
e por mais paradoxal que pareça
tenho que fazer disto uma festa
um estudo de caso
um laboratório
um consultório para minha loucura
um hospício para a minha cura
no fazer da brochura
apenas um poema de saudades antecipadas.