O Homem Que Ruminava Dívidas no Fundo do Quintal
ali estava ele sentado
se guardando de todos os males
ali estava ele
bem no fundo do quintal
ruminando dívidas
dívidas de vidas
todas divididas
no espectro funeral
daquele homem
então morto de tantas vidas
devidas de divididas dívidas
crescidas em cada amanhecer...
no pé do sapotizeiro
- único confidente solitário
daquele homem solitário -
a molecada gritava sem medo da vida
ainda não dividida pelas dívidas da vida...
e todo aquele zoeiro era observado
pelos olhos dum vivo-morto
aquele homem já velho e cansado
de tanto e tanto e quanto amargurado
de tanta e tanta e quanta dívida
de quanta e quanta e tantas vidas divididas
soletrava com os olhos o carinho que amava a molecada...
mas naquele dia algo estava diferente
sua expressão não demonstrava carinho
tampouco dor ou qualquer horror
não havia como decifrar aquele olhar indecifrável
frágil, distante, com uma pedra de lágrima escorrendo
pelas paredes das narinas até atingir a boca onde ficara parada sem qualquer degustação...
comprendeu-se então que aquele homem
não mais olhava a molecada, não mais sentia
a barriga cheia de dívidas - dor de barriga de dívidas de vidas divididas! -
não mais havia aquele homem ruminando dívidas no fundo do quintal
não mais havia sapotizeiro nem o carinho zombeteiro daquele olhar cheio de dívidas
não mais havia cobrador para dizer: "Ele não está. Saiu. Foi caminhar..."
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