sexta-feira, 26 de outubro de 2007

CARTA PARA OUTRO-EU

© by João Batista do Lago

Olá, meu caro.
Há quanto tempo não nos falamos!
Gostaria de ter notícias tuas...
Como andas? O que tens feito da vida?
Sabes, ainda ontem andei pensando em nós dois.
Quando éramos crianças (lembras?)
brincávamos no alpendre lá de casa,
corríamos por entre quartos, paredes e corredores...
Ah, o Rex sempre nos atormentando,
atravessando nossos caminhos
mordendo nossos tornozelos...

- Parem, meninos, parem com essa correria.
Gritava mamãe sempre que passávamos por ela,
escrava que era daquela máquina de costurar:
tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic...
tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic... tchic, tchic...
Assim ela ia cosendo nossas vidas, nossas histórias... e nossas estórias.
Dia após dia de intermináveis costurares!
Mas nós continuávamos a brincar, a correr, a pular:
E ela: - Parem, meninos, parem com essa correria – insistia em nos alertar.
E a máquina: tchic, tchic... tchic,tchic... tchic,tchic... tchic, tchic... tchic,tchic...
tchic, tchic... tchic,tchic... tchic,tchic... tchic, tchic... tchic,tchic...

Ah, meu caro, tenho pavor às saudades, mas
percebo que hoje, ao alcançar esta minha idade,
elas se apresentam tão salientes que são difícil não escutá-las.
Elas estão presentes em tudo e em todos os lugares!
Ó, amigo, essas saudades são de amargar, me
incomodam e se instalam em qualquer lugar
ficam o tempo todo a me vasculhar...
Saudades são como carrapatos de almas,
verdadeiros parasitas inconfessos
sanguessugas de velhas e novas lembranças, (que)
roubam a consciência da presente esperança.

Sabes! Hoje tenho nítida sensação de me haver
internado numa masmorra. Sinto-me preso.
Estou isolado num infinito labirinto.
Não sei quando entrei... e nem por onde.
Não encontro portas de saída. Estou só.
Vago noites e dias entre as paredes frias da
minha masmorra sem portas. Ouço o
lamento do vazio num eterno calafrio de
vozes que me vêm do além mais próximo de mim:
ecos de dores... de horrores. São
quermesses do nada exaltando o meu fim.

Vês, meu caro, o quanto sinto tua falta?
Preciso-te. Necessito alentar minha dor, pois
somente a palavra do poeta – palavra de sofredor! -
não resolve a carência maior de minha paixão em flor.
Sim! Preciso-te, caro amigo, para
novamente corrermos entre quartos, paredes e corredores
conversarmos com o vento e a infância, sem
precisar ficar espantado com a adulta ignorância.
Sim! Preciso-te. Urgentemente preciso-te.
Preciso-te para viver minha eternidade de criança.
Preciso-te para sair desta masmorra. Deste labirinto.

Abraço-te, meu caro.
Eu.

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